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(Arquivo) Como nasceu a 2.a Série de O Riomaiorense (1)

Por António Custódio dos Santos

In O Riomaiorense (3.a Série) no. 265, de 20 de Julho de 1963

 

 

 

 

Estamos numa quinta-feira, 28 de Março de 1912. No chamado Cabo do Lugar, em frente ao estabelecimento de João Ferreira Goucha, encontra-se casualmente reunido um grupo composto por António Gomes de Sousa Varela, então Administrador do Concelho, Francisco Santos, professor primário em Rio Maior, Eugénio Casimiro, Amarino Calisto e António Custódio. Todos haviam acabado de jantar e rumaram, como era seu costume, até ao Largo, para observarem o movimento de carros, carroças e galeras, que já àquela hora começava a ser intenso entre a Praia da Nazaré e Santarém.

 

A República tinha sido implantada não havia ainda dezoito meses, e como era natural entre republicanos, todos da “Velha Guarda”, começou a falar-se das suas realizações até àquela data, particularmente no tocante a Rio Maior, em que nada, absolutamente, se tinha levado a efeito. E, contudo, três homens, pelo menos, dos que ali se encontravam, Sousa Varela, Eugénio Casimiro e António Custódio, sem falar em João Maia, batalhador ardente, como os demais, por tudo o que dizia respeito ao bem estar da nossa adorada Terra, já tinham, várias vezes, ido a Lisboa e Santarém entender-se com as autoridades competentes sobre o que de mais urgente entendiam ser necessário fazer em Rio Maior. Eram sempre muito bem recebidos; óptimas palavras, sedutoras promessas, mas tudo continuava como dantes, quartel general em Abrantes!

 

Um assunto que lhes mexia com os nervos, arrastando-os até às antecâmaras da revolta, era a velha aspiração, nunca realizada, da ligação telegráfica de Rio Maior com Santarém, capital do seu distrito. Incrível que parecesse, a verdade era que os riomaiorenses para se comunicarem telegráficamente com Santarém, teriam de esperar que o Chefe da Estação local conseguisse ligação para Caldas da Rainha, dali para Lisboa, e só depois de desenhado este quase circuito, lhes seria dada a ventura de poderem falar com a velha urbe scalabitana!

 

Pois era assim mesmo! Sousa Varela e António Custódio, amigos velhos do administrador geral dos Correios, senhor António Maria da Silva, por haverem com ele assistido a várias reuniões de natureza secreta, em que se debatia o preparo do movimento destinado a derrubar para todo o sempre a arcaica monarquia, a ele frequentemente se dirigiam, fazendo-lhe ver a vergonha que representava para a própria República tão deprimente situação! O Administrador dos Correios, sempre atencioso e amável, mostrava-se até agastado por tão premente reivindicação de Rio Maior não se encontrar de há muito atendida. Chegou a acompanhar-nos ao Ministro do Fomento, a quem – dizia – estava afecto o assunto, e junto do mesmo igualmente se empenhava com o máximo ardor. O ministro, também, com o melhor sorriso e as mais confortadoras palavras, nos atendia, prometendo mandar proceder, quanto antes, ao indispensável estudo da linha, e seguidamente à sua instalação. Os dias e os meses, porém, se passavam e nada em definitivo surgia a dar alento às nossas almas semi-revoltadas!...

 

Além de vários outros assuntos de magno interesse local tratados na reunião ocasional do Cabo do Lugar, este da linha telegráfica estava incendiando todos os espíritos, quando de repente, Francisco Santos, homem de invulgar cultura, inteligente, vivo, dinâmico, volta-se para todos exclamando, incisivo: E se nós fundássemos um jornal para debater ao vivo, não somente esse assunto da linha telegráfica mas todos os demais aqui abordados e ainda outros que aparecessem de interesse geral?

 

A sugestão foi aceite pelo grupo com indescritível entusiasmo! Sim, um jornal. Vamos fundar um jornal, exclamaram todos, com as almas esfuziantes de alegria!

 

António Custódio que era correspondente dos principais matutinos de Lisboa, como Século, Diário de Notícias, Mundo e Vanguarda, os dois últimos desaparecidos pouco depois, tinha entrado várias vezes nas suas oficinas e casas de máquinas conhecendo, portanto, o mundo de dificuldades que surgiam na publicação de qualquer jornal, por mais modesto que fosse, ponderou, entretanto: Sim, está certo. Já todos concordámos com a fundação de um jornal. Mas onde vai ser impresso? A Minerva do Ferreira, que está editando “A Civilização Popular”, todos sabem que deu já tudo quanto podia dar, e não deveremos, claro está, contar com ela.

 

Francisco Santos, porém, não era homem para entregar facilmente os pontos. Retorquiu prontamente: Eu já contava com essa observação. O jornal será impresso em Leiria na oficina de um velho amigo meu, já imprimindo vários jornais da província, e que sem dúvida não se negará a imprimir mais o nosso desde que eu tal lhe solicite. E antes que algum de nós estranhasse a grande distância, pela dificuldade que haveria de mandar para lá os originais, com o consequente atraso na saída das notícias, concluiu: Os originais começar-se-ão a mandar para Leiria pelo correio, normalmente três a quatro dias antes da saída do jornal. Notícias da última hora, porém, poderão ser enviadas pelo telégrafo, até à véspera à noite, que serão publicadas, sem falta, no jornal a saír na manhã do dia seguinte. Isso ficará sendo um problema meu e do qual assumo inteira responsabilidade. O periódico sairá de Leiria no dia da sua publicação, no comboio que chega a Caldas da Rainha mais ou menos ao meio-dia, sendo necessário somente que contratemos com o transportador das malas do correio de Caldas para Rio Maior, a sua ida à estação de caminho de ferro nos dias que lhe forem indicados, apanhar o volume dos jornais que será despachado para lá, e o conduza até aqui, onde chegará por volta das quinze horas do próprio dia em que for publicado. Creio – acrescentou, terminando – ser tudo quanto podemos ambicionar.

Figura 1 - António Custódio dos Santos (1885-1972), comerciante, Presidente da Câmara Municipal de Rio Maior eleito em 6 de Outubro de 1910, tesoureiro da fazenda pública (1912-1928), director do jornal O Riomaiorense (1912-1921), dirigente local do Partido Republicano Evolucionista, descobridor legal da Mina do Espadanal (1916) e sócio fundador da Empresa Industrial, Carbonífera e Electrotécnica, Limitada (1920).

 

Fotografia datada de 1907.  © Colecção Teresa Santos do Carmo, Arquivo EICEL1920.

Figura 2 - Grupo Republicano de Rio Maior

Ao centro, João Ferreira da Maia e António Custódio dos Santos.

 

Fotografia datada de 5 de Outubro de 1910.  © Colecção António Feliciano Júnior, Arquivo O Riomaiorense.

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Figura 3 - O Cabo do Lugar, posteriormente renomeado Largo da República, Bilhete Postal Ilustrado, Anos 10. © Colecção António Feliciano Júnior, Arquivo O Riomaiorense.

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