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(Arquivo) Como nasceu a 2.a Série de O Riomaiorense (7)

Por António Custódio dos Santos

In O Riomaiorense (3.a Série) no. 274, de 20 de Janeiro de 1964

 

 

 

 

Retiramo-nos com uma infinda alegria transparecendo das nossas almas e pensando intimamente: Que grande coração! Que perfeito homem de bem! Se todas as criaturas fossem assim, o mundo seria mais perfeito, e as injustiças sociais sentir-se-iam varridas da face da Terra!!...

 

Não havia decorrido ainda uma semana quando o mesmo querido deputado Francisco José Pereira nos telegrafa, dizendo apenas:

 

“Sonho realizado. Transferência freguesias publicada hoje Diário Governo. Abraços afectuosos todos amigos – Pereira”.

 

Imediatamente foi destacado o mesmo dinâmico e bom colega Amarino Calisto para ir a Alguber e Figueiros dar a alviçareira notícia. Foi recebido como um triunfador! Foguetes estralejaram por todos os recantos das duas freguesias, e Amarino quase teve que fugir, pois queriam oferecer em sua honra, banquetes, bailes, etc.

 

Em Rio Maior, o entusiasmo não foi menor, hasteando de novo a Câmara o seu estandarte em sinal de regozijo, e sendo expedidos telegramas de agradecimento a Francisco José Pereira, doutor Germano Martins, e Ministro da Justiça, a este como sinal de simples delicadeza.

 

E terminou gloriosamente mais esta campanha, a segunda brilhante vitória do nosso jornal.

 

Começávamos então, ou por outra, recomeçávamos uma batalha já iniciada logo nos primeiros números e que saira parcialmente vitoriosa, pois chegara a ser nomeada uma comissão de Guerra para fazer os competentes estudos e dar o respectivo parecer.

 

Referimo-nos à decantada LINHA FÉRREA SETIL-PENICHE.

 

A Comissão nomeada pelo Ministro da Guerra realizou os estudos num prazo relativamente curto; deu o seu parecer favorável à construção da linha, mas o Ministério da Guerra emudeceu e tudo continuou como se nada houvesse sido feito!

 

O Riomaiorense levantou então nova campanha, persistente, tenaz, incisiva e metódica. Todas as semanas o seu editorial era dedicado à construção da via férrea. Só faltava o Ministro pôr a construção da linha a concurso, mas este, obedecendo a forças poderosas e ocultas, como agora se diz, não se decidia!

 

Finalmente, aguilhoado pela nossa inquebrantável firmeza e pela influência igualmente valorosa dos dignos representantes no Parlamento, decidiu-se e mandou abrir o almejado concurso.

 

Desilusão atroz! Ficou deserto o concurso pois ninguém apareceu a concorrer!! Dizia-se que era a Companhia Portuguesa, a quem por circunstâncias desconhecidas não convinha este ramal, que se opunha à sua construção. Semelhante suposição só foi confirmada pelos acontecimentos futuros, pois são decorridos nada menos de cinquenta anos e a linha Vendas Novas-Peniche parou misteriosamente no Setil e ainda hoje lá continua, para vergonha nossa e gáudio das forças ocultas que para isso fervorosamente concorreram!...

 

Primeira derrota que sofremos!

 

A Campanha Padre Botelho

 

A Câmara Municipal sustentara durante vinte e dois anos, uma Escola de Instrução Secundária dirigida por um padre radicado havia anos na vila, de nome Joaquim Filipe Vitorino Botelho.

Nascido em Nova Goa, Índia Portguesa, era um espírito de rara cultura, inteligente, vivo, perspicaz, desempenhando o seu lugar sempre a contento.

 

A frequência à Escola, porém, começou a falhar em virtude de os chefes de família mais abastados preferirem mandar estudar os seus filhos no Liceu de Santarém, e a municipalidade de então cogitava na maneira legal e prática de suprimir a Escola. Sabedor dessa disposição, o padre, alegando doença séria, requereu a sua aposentação. Formada a Junta Médica para verificar-lhe o estado de saúde, o arguto sacerdote apresentou um exame de urina que afirmou ser sua, na qual se continha uma alta percentagem de glicose!

 

Estava – dizia – diabético em grau adiantadíssimo, impondo-se, portanto, como acto de absoluta justiça a sua aposentação.

A Junta, contudo, vendo em toda aquela maneira de proceder uma conduta de autêntica hipocrisia, propôs o indeferimento da capciosa pretensão, proposta que a Câmara jubilosamente endossou. O padre, porém, recorreu da decisão camarária para o Conselho Tutelar, o qual tinha, naquele tempo, por função homologar todas as resoluções municipais, inclusive os próprios orçamentos, e esse egrégio Conselho, levianamente, sem cogitar das ponderosas razões em que a Câmara se baseava, deu provimento ao recurso do nosso astuto sacerdote!

 

Não se conformando, porém, com tal decisão, os dignos edis municipais, interpuseram, por sua vez, recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual – vergonha das vergonhas – confirmou a sentença do Conselho Tutelar!

 

E a Câmara, contra a sua vontade e a vontade de todos os bons riomaiorenses, teve que começar a aposentação ao antigo professor, o qual em Vila Real, para onde se transferira, passeava regaladamente – soube-se depois – gozando de esplêndida saúde!!

 

Logo que o partido republicano local teve conhecimento deste puro acto de alta chantagem, pois até se descobriu que a urina que serviu para o exame em que aparecia a alta percentagem de glicose, fora fornecida por um cidadão de Lisboa, de nome Pedro de Melo Ataíde, imediatamente veio a público para declarar que implantada a República, um dos primeiros actos da Comissão que tomasse conta do Município, seria o corte inapelável no orçamento, da verba destinada ao padre Botelho.

 

Vitorioso, afinal, o movimento moralizador de cinco de Outubro,  e assumindo a direcção municipal os democratas que haviam tomado aquele compromisso, nada mais lhes restava senão honrar a palavra empenhada e isso fizeram sem receios nem hesitações!

 

Avisado o padre, logo recorreu para o célebre Conselho Tutelar, que para opróbrio do novo regime, era ainda o mesmo dos tempos da monarquia, e este, claro está, deferiu o recurso do seu velho correligionário anulando a resolução camarária!

 

A Câmara, por descargo de consciência, somente, ainda recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, certa de que seria chover no molhado, porquanto os juízes eram também os mesmos do tempo da monarquia, e não se enganou. Levou tempo a resolução dos integérrimos magistrados, mas finalmente saiu, confirmando, como se esperava, a sentença do Conselho Tutelar!

 

É nesta altura que entra O Riomaiorense com a sua nova campanha ardente, vibrante, quase revolucionária!

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