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(Arquivo) Como nasceu a 2.a Série de O Riomaiorense (8)

Por António Custódio dos Santos

In O Riomaiorense (3.a Série) no. 277, de 22 de Fevereiro de 1964

 

 

 

 

Antes disso, porém, António Custódio toma uma ousada resolução: Tendo sido, em rapaz, aluno do padre e mantendo com ele relações de certo modo amigáveis, entendeu de boa ética escrever-lhe uma carta contando-lhe o que se passava em Rio Maior por motivo da sua aposentação.  Explicou haver-se descoberto que a urina pertencia não a ele mas a Pedro de Melo Ataíde; que o povo de todo o concelho se achava revoltado por tão estranha conduta partir de um sacerdote que ali chegara a gozar de real prestígio; que circunstância alguma a Câmara pagaria a aposentação, e que, portanto, lhe ficaria bem se tomasse a voluntária deliberação de desistir de todos os direitos que julgava assistirem-lhe. Que como seu velho aluno, amigo e admirador, apelava para os seus sentimentos de bom cristão para que praticasse este acto de verdadera filantropia, o qual imensamente viria enobrecer o seu nome entre as muitas centenas de pessoas que o conheciam e respeitavam.

 

Caso contrário ver-se-ia obrigado a colaborar, bem contra sua vontade, numa campanha bem violenta que o jornal local, O Riomaiorense, se aprestava para abrir contra ele e da qual o seu nome, a sua dignidade, a sua tradição, os seus costumes, iriam sair seriamente contundidos.

 

Que meditasse bem – terminava a carta – e pedisse conselho ao seu Anjo Protector, o qual conhecendo a sua independência financeira, observar-lhe-ia, sem dúvida, não permitir Deus que os seus representantes em qualquer parte do Universo se mostrassem avarentos, orgulhosos, despidos da mínima parcela, sequer, da verdadeira moral cristã!...

 

Sem qualquer resposta a esta carta, O Riomaiorense deu início à sua campanha no jornal de 19 de Dezembro de 1912. Foi, como se pode calcular, violentíssima. O Ministro do Interior, Dr. Rodrigo Rodrigues, manda intimar o padre a comparecer no Ministério, para se sujeitar a novo exame de sanidade. O Riomaiorense não deixa passar um só número, sem que logo na primeira página, no seu lugar de hora, continue a agitar o momentoso assunto, cada vez com mais violência, mais ardor, mais certeza na vitória final!

 

E, volvidos cinco meses desta portentosa e ininterrupta batalha, o padre entrega os pontos! Saturado, certamente, por tão eficaz e arrebatadora campanha, o antigo professor sempre que na sua pensão de Vila Real recebia o importuno O Riomaiorense, ficava nervoso, agitado, apoplético!

 

É numa destas crises que toma a heróica resolução: vai ao telégrafo e expede para Santarém, ao ilustre Governador Civil, presidente do Conselho Tutelar, um telegrama em que desiste de todos os seus direitos como professor da Escola Secundária de Rio Maior! No dia seguinte confirma esse telegrama com uma carta por ele próprio assinada em que explica as razões da desistência.

 

Avisado telegráficamente deste feliz acontecimento, António Custódio, pelo mui digno Secretário Geral do Governo Civil, doutor Jacinto de Freitas, seu amigo particular já de bastantes meses, imediatamente partiu para Santarém, acompanhado de Sousa Varela e Eugénio Casimiro.

 

Ali, uma hilariante surpresa os aguardava: O padre, sempre inconsequente e volúvel, havia mandado ao Governador Civil, naquele mesmo dia, uma segunda carta, na qual dava sem efeito o telegrama e a carta anterior desistindo dos seus direitos como professor aposentado da Escola Secundária de Rio Maior, direitos que, por aquela segunda carta, continuava a manter, e que defenderia, dali por diante, onde quer que fosse necessário!!

 

Introduzidos pelo ilustre Secretário Geral, no gabinete do Governador, este nos mostrou o telegrama e as duas cartas do incongruente ex-professor, dizendo, francamente, que se encontrava indeciso, sem saber o que deveria fazer. Todos, sem a mais ligeira hesitação, fizeram sentir à mui digna primeira autoridade do Distrito, que o Governo Civil nunca poderia prestar-se a ser palco de comédias ridículas, representadas por quem quer que fosse! Uma vez que o padre havia escrito uma carta confirmando o despacho telegráfico, antes transmitido, só esta carta poderia ser válida e não quaisquer outras que surgissem posteriormente. Essas deveriam ser consideradas apócrifas, sem qualquer valor!

 

Mostrava-se o ilustre Governador inclinado a endossar as nossas conclusões, quando o talentoso e sempre justiceiro Secretário Geral, pedindo a palavra, lembrou que para se lançar a derradeira pá de cal no rumoroso caso, se mandasse reconhecer a letra e a assinatura do decantado padre e com essa providência poderia ele dar as voltas que quisesse que nada conseguiria.

 

O assunto ficaria regular e definitivamente arrumado!

 

Aceitou o Governador com visível prazer tão oportuna sugestão, o mesmo acontecendo aos representantes riomaiorenses, esclarecendo Eugénio Casimiro que no Cartório do Tabelião Calisto, o padre tinha registado letra e assinatura e que ele mesmo se encarregava de obter os respectivos reconhecimentos.

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