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(Opinião) Imprensa Local: A força da cidadania e os limites do poder

                                                    

 

 

                                    

 

 

 

3- O(s) Riomaiorense(s) como projecto

 

Teimosia, amor e ideologia. Se a teimosia é a chave da imprensa local, dita a matemática simples que um título centenário condensará a teimosia de várias vidas. Por maioria de razão, assim terá sido com “O Riomaiorense”, jornal descontinuado várias vezes e com séries independentes intercaladas por vezes por dezenas de anos. E se as ideologias espreitam por detrás de desígnios e vontades nas várias encarnações d'“O Riomaiorense” poder-se-ão ler ideologias e formas variadas de resolver a equação política/jornalismo. É o que constataremos olhando brevemente para alguns dos seus primeiros números.

 

A teimosia fundadora coube a Manoel José Ferreira que publica o primeiro número a 2 de Julho de 1893 sob o signo da ideologia do progresso. Adoptando-se a modéstia tópico literário da sua declaração de intenções (“esperámos que pena mais autorizada do que a nossa viesse ocupar este ponto d’honra, mas debalde...”) aí se apresentam ainda as virtudes cardinais que orientarão o jornal, desde o compromisso de moderação do discurso (“linguagem moderada mas circunspecta e firme, respeitando sempre as opiniões alheias para ter direito a que lhe respeitem as suas”) e de “prudência, sem diatribes acintosas que às vezes mais concorrem para acirrar os ânimos” até à forma imparcial perante os partidos mas que não se coíbe de tomar partido nas disputas da política: “apesar de não ter compromissos com qualquer dos partidos militantes, tem a sua política, mas uma política ordeira e conciliadora, tendente a unir n’um só pensamento todos os habitantes”. À ideologia do progresso que se traduz na causa do “melhoramento material” de Rio Maior junta-se de forma muito vincada o “advogar a causa da instrução popular e do respectivo professorado” até porque Manoel José Ferreira é professor do ensino primário.

 

Este progressismo é assim um pedagogismo que coloca o professor num lugar de destaque social e a educação do povo inculto como prioridade. No país do final do século XIX, ironicamente a vitalidade da imprensa local tal como a da imprensa operária contrastavam com as esmagadoras taxas de analfabetismo.

 

A segunda série, iniciada a 4 de Abril de 1912, continua a veia progressista e pedagogista do jornal. A apresentação da sua secção pedagógica, com um amplo destaque na economia de um jornal de quatro páginas, torna evidente esta associação do progresso ao trabalho “muito difícil” de “desbravar cerebros perfeitamente incultos; arrotear glebas, onde jámais ponta d'arado penetrou” e que continua  colocado nas mãos dos professores primários: “educai! brada a Patria inteira aos professores primarios, mas não lhe pergunta se está saciado o seu estomago, á miseria afeito”.

 

Apesar disso, não se trata de mera continuação linear da primeira série d'O Riomaiorense ou d'A Civilisação Popular (jornal centrado no magistério primário que publicado por Manoel José Ferreira depois do fim da primeira edição). Agora, no calor do momento pós-revolucionário, “O Riomaiorense” apresenta-se de forma mais abertamente militante aderindo entusiasticamente à revolução de 5 de Outubro que era aparentemente dominante entre a pequena burguesia riomaiorense da época. No próprio cabeçalho do jornal consta a palavra de ordem “Pela Pátria e Pela República Ordem e Trabalho” e o jornal classifica-se como “Semanário republicano, noticioso, literário, pedagógico, científico e recreativo, defensor dos interesses da Comarca de Rio Maior”.

 

Com António Custódio dos Santos e Francisco Santos ao leme, o primeiro número define o seu “programa” a partir do tópico retórico da reflexão sobre o que costumam escrever os jornais nos seus programas iniciais. Este é o pretexto para se criticar a distância entre as rebuscadas palavras de circunstância que aí constam costumeiramente e a persistente fidelidade aos ideais que elas expressam. Escrevem-se programas com “espaventosas palavras de iquidade, e de justiça, de verdade e de amor. Nunca é político o novo periódico, nunca trata de questões pessoaes (…). Tendo por timbre a Verdade, e por guia fascinante a luz do progresso, só instrue e só educa!” Contudo, a ideologia costuma ser vendida ou esquecida: “esquece-se hoje o que se afirmou  hontem para se olvidar amanhã o que hoje se escreveu.”

 

É na vontade de escapar a estes vícios que este “O Riomaiorense” jura fidelidade ao ideal republicano e a todos os que sinceramente “querem salvar a pátria” ao mesmo tempo que se compromete com a imparcialidade: “política partidária porém, no sentido restrito da palavra, jamais a fará”. E, talvez para o ilustrar, o jornal promovido pelo círculo republicano de Rio Maior que é sobretudo adepto do Partido Republicano Evolucionista dá espaço no seu primeiro número a uma notícia que elogia a recepção entusiástica ao regresso do estrangeiro de Afonso Costa, líder do rival Partido Democrático, importante “para se criar um ambiente de paz”, “que se faça justiça a todos, e que não deixemos de vitoriar sempre os grandes homens, que, se se encontram separados momentaneamente por modos diferentes de encarar os caminhos a seguir, não se diferenciam contudo no fim a seguir – que é o bem, o progresso, a felicidade de todos.”

A teimosia fundadora coube a Manoel José Ferreira que publica o primeiro número a 2 de Julho de 1893 sob o signo da ideologia do progresso.

 

O Riomaiorense jura fidelidade ao ideal republicano e a todos os que sinceramente "querem salvar a pátria" ao mesmo tempo que se compromete com a imparcialidade

 

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