top of page

(Entrevista) MINEIROS de Rio Maior (3)

 

 

 

2 - Actividade Profissional na EICEL                                                                              

 

 

 

Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Centrando-nos na actividade mineira. Em que data iniciaram funções na EICEL?

 

 

 

José Gomes: O ano não me lembro ao certo, mas eu devia ter os meus vinte e oito anos. A fábrica de briquetes estava pronta mais ou menos em 55. Foi no ano em que eu fui para a tropa. A chaminé estava a acabar-se e eu andava ali no areeiro. Andava ali a trabalhar no areeiro nessa altura. E a gente via os gajos lá a mandar tábuas cá para baixo. Portanto, eu depois, quando vim da tropa é que fui para a mina.

 

Eu vivia em Vale de Óbidos. E se quer saber porque é que eu vim para a mina posso contar-lhe.

Vim para a mina pelo seguinte: Eu trabalhava no campo e já tinha dois filhos pequenitos. Houve um Inverno muito grande! Tanto que chovia!... E eu disse para a minha mulher:

- Hoje vou para Rio Maior e tenho que arranjar trabalho.

- E onde é que vais arranjar trabalho?

- Seja onde for, nem que seja na mina! Disse eu.

Vim para Rio Maior e arranjei trabalho. Fui para a mina. Era o Doutor Vidigal que fazia a inspecção à gente.

Então eu fui à mina pedir trabalho. Falei com o Sr. Guilherme, que era o geral da mina. Ele gostava muito de beber uns copinhos... e eu também! E às vezes encontrávamo-nos aí nas tabernas. Havia muita taberna em Rio Maior, e o pessoal encontrava-se por aí a beber uns copinhos.

 

Miguel da Palma: Havia oitenta e tal tabernas.

 

José Gomes: E ele quando me viu:

- Então ó Zé, o que é que vens aqui fazer?

- Olha, venho pedir trabalho! Se houver há, se não houver, paciência!

- Então e tu queres mesmo vir para a mina, pá? Queres ir para o fundo da mina?

- Quero!

- Então vai lá acima ao escritório, e vais lá ao... Borato de Sódio...

 

João Severino: O Rogério.

 

José Gomes: O Rogério.

- Vais lá ao Rogério e inscreves-te.

Eu chego ao escritório e disse ao Rogério:

- Ó Sr. Rogério, eu venho para a mina. Venho aqui inscrever-me.

- Então e já sabes?

- Não sei, que eu ainda não fui à inspecção. Mas o Sr. Guilherme mandou-me vir aqui.

- Então e tu vais para a mina pá? Não tens medo?

- Isso depois logo se vê...

Ele era o treinador da bola. Eu às vezes dava uns pontapés na bola, com eles. E ele gostava de mim e disse-me:

- Pronto, então...

Assinou lá uns papelinhos. E chego lá abaixo ao Sr. Guilherme...

- Ó Sr. Guilherme, já trago aqui o papel do Borato de Sódio! Ele passou-me estes papéis.

- Então agora tens que ir ao Dr. Vidigal pá, ao médico. Tens que lá ir.

Fui ao Dr. Vidigal. Ia a entrar da porta para dentro e ele diz-me:

- Olha, mais um que quer ir para a mina!

- É verdade.

- Então e o que é que vens fazer?

- Sei lá o que é que venho fazer... venho à inspecção...

- Tu nem precisas de ser inspeccionado. És um rapaz novo e um homem forte. Não precisas de nada.

Passou-me logo o papel. Estava tudo bem, e no outro dia vim trabalhar para a mina. Vinha para passar só o Inverno. Quando passasse o Inverno ia outra vez para o campo. Mas tive uma safra boa, porque fui logo para vagoneiro e andei quase sempre em vagoneiro. Estes rapazes que andaram lá sabem bem. Em vagoneiro trabalhava-se de empreitada e ganhava-se bom dinheiro. O ordenado era fraco, pequeno, mas de empreitada ganhava-se bem.

No primeiro dia que lá andei no fundo ganhei 120 escudos. Ganhava logo o mês  completo, ou mais do que se estivesse a trabalhar no campo. De maneira que fiquei uns anos, e se ela não fecha, se calhar não tinha saído tão depressa.

 

Alcino Marques: Fui trabalhar, em miúdo, para a mina do giz, a picar os blocos em pedaços mais pequenos que depois eram cozidos. Tinha aí treze anos. Fui primeiro para os vagões picar as levas de carvão com uma pica. O meu pai tinha pedido ao engenheiro.

 

João Severino: Para a empresa não se podia entrar com menos de 14 anos. E eu tinha só treze. O Rogério, que fazia esse trabalho disse para o meu pai: - Ele já é grande e eu ponho aqui que ele tinha 14 anos. Foi assim.

 

Alcino Marques: Eu tinha aí dez anos. Depois o engenheiro viu-me lá:

- O que é que aquele miúdo anda ali a fazer?

- Anda a picar carvão.

- Tirem lá daí o miúdo de dentro do vagão! E correu comigo.

 

Manuel Palminha: Fui trabalhar para a mina com 13 anos. Estive a trabalhar como ajudante de electricista até aos 17 anos. E depois passei para a mina do giz, porque o geral tinha um afilhado que era o Mário Cláudio, e quis metê-lo no meu lugar. Meteu-o no meu lugar e mandaram-me a mim para o giz. Lá estive a trabalhar um ano. Ao fim de um ano, fiz dezoito anos, pedi transferência e fui trabalhar para o fundo da mina.

 

Miguel da Palma: Entrei aos dezanove, em 1955, e saí em 1965. Em 1966 fui para França.

 

Marcelino Machado: Entrei em 1954, já para o acabamento da fábrica e aos 18 anos desci para o fundo das minas.

 

 

 

 

Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Que funções exerceram enquanto funcionários da EICEL? Com que equipamentos trabalharam?

 

 

 

José Gomes: Foi quase sempre a mesma coisa. Só andei dois dias a tirar carvão aos mineiros, safreiro. Mas de resto o meu trabalho foi sempre vagoneiro.

 

Alcino Marques: Era pedreiro. Eu estava ali só para quando a fábrica parava, para dar assistência, pôr os tijolos refractários e retirar a areia das máquinas. Fiz muito foi com o empreiteiro, agora como pedreiro fiz pouco. Levava os dias, a maior parte do tempo, sem ter nada que fazer.

A fábrica fez-se por uma empresa e depois eles convidaram-me para ficar. Eu hesitei. Ficou o Popelinas. E depois esse Popelinas arranjou-me uma obra numa casa ali para o lado de Caldas que era daquele encarregado da mina do giz, o Domingos. Fui lá arranjar essa casa e depois, quando voltei, o Popelinas que era o encarregado de obras, passou para a mina do giz, para encarregado, e o Domingos foi para um celeiro de trigo para a terra dele. Eu fiquei no lugar desse indivíduo (Popelinas).

 

João Severino: As funções que eu tive na mina foram as seguintes: a partir dos dezoito anos fui para o fundo da mina, mas nunca trabalhei como safreiro, quer dizer, pouco. Eu só lá andei no fundo da mina no período em que se começou a fazer a fábrica. A fábrica foi feita pelo empreiteiro. Então tínhamos de preparar as galerias para, quando a fábrica começasse a funcionar, as galerias estarem prontas.

Então trabalhei no fundo da mina aí um ano e tal, dois anos. Depois ajudei a fazer esta arreação que está aqui (na fotografia). Fui eu mais dois que fizemos isto. Era um senhor chamado Raul e outro chamado Álvaro. Entretanto, fizeram a fábrica, fui então para ajudar na montagem das máquinas. Estavam lá os alemães a montar a fábrica. Talvez aí um ano ou perto.

Depois a fábrica começou a funcionar, fui trabalhar com as bombas para enviar água para as máquinas, que gastavam muita água. Entretanto houve uma vaga, fui então para guincheiro, puxar o carvão todo da mina cá para cima. Puxávamos aí trezentas e tal vagonas por dia. Era perto de mil quilos cada uma. Era 600 toneladas que a gente tirava cá para fora.

 

José Gomes e Miguel da Palma: 650 quilos cada uma.

 

João Severino: Trabalhei assim até perto de aquilo fechar.

 

Manuel Palminha: Andei no fundo da mina a tirar carvão a este (Miguel da Palma) e ao irmão. Depois vim trabalhar para a fábrica. Estive na tela 3, no serviço 3. Andei lá também um ou dois anos. Depois passaram-me para o guincho que tirava as cinzas de lá de baixo. Estive aí também muito tempo. Depois chatearam-me ou chateei-me, saí daí e fui outra vez para o fundo da mina tirar carvão. Depois fui para bombeiro e daí em diante andei sempre em bombeiro.

 

Alcino Marques: Bombeiro, a trabalhar com as bombas.

 

Manuel Palminha: A trabalhar com as bombas de tirar água.

 

Miguel da Palma: Eu fiz de tudo um pouco. Fiz mineiro, fiz safreiro, fiz vagoneiro, como o Sr. José, fiz bombeiro, e ainda fiz um mês ou dois também numa ventoinha, e foram as funções que tive lá.

 

Marcelino Machado: Tive várias funções. Comecei como safreiro, andava sempre junto àquele homem que já morreu, o Chico Brites. Um dia ele faltou, e eu, bom, armei-me em valente, pego na ferramenta do mineiro: - Hoje vou cortar carvão! Quando cheguei ao fim do dia vou contar, não chegava a tirar meio ordenado. Digo assim: - Isto não está a dar resultado! Depois, no outro dia veio o mineiro outra vez, o carvão que tinha cortado estava lá todo ainda.

 

José Gomes: Mas ele não está a contar tudo! Ele ali tirou pouco, mas depois foi para um sítio onde tirava muito.

 

Marcelino Machado: Não, mas isso foi já depois.

 

José Gomes: Depois foi para a cantina. Aí já ele tirava muito...

 

Marcelino Machado: Isso foi quando fui operado. Tiraram-me um rim, e nessa altura é que fui para a cantina.

 

José Gomes: Aquilo era uma paródia! Aquilo quando a malta ia para o trabalho, de volta da grazine, tudo cantava, tudo assobiava, até chegar ao local de trabalho.

 

Marcelino Machado: Mas tive vários trabalhos. Fui bombeiro, fui mestre de via, estive na fábrica, no moinho de martelos. Estive a tirar as cinzas, onde aqui o Manuel esteve. Só não fui encarregado. Isso é que eu não fui.

 

João Severino: Já agora uma coisa: estive quase dez anos sem ter um dia de descanso!

 

Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Não tinha férias?

 

João Severino: Não. Trabalhava ao domingo, trabalhava ao dia santo, trabalhava ao dia de Natal, trabalhava ao dia de Ano Novo, trabalhava ao dia da feira, das férias... Tinha naquela altura, para três anos, seis dias de férias. O máximo era seis dias de férias. E ia pedir para trabalhar nos seis dias de férias. É verdade!

 

Miguel da Palma: Dá-me licença que diga uma coisa? Eu quando entrei para a mina, o primeiro ano, nada de férias. Ao segundo, nada. Ao terceiro, três dias. Ao quarto, três dias. Ao quinto, três dias. E foi ao sétimo que eu tive seis dias.

 

José Gomes: Eles não descansavam porque ganhavam só o ordenado base. Depois trabalhavam ao sábado, trabalhavam ao domingo, trabalhavam aos feriados, que era para ganhar mais.

 

João Severino: Quantas vezes saía às três da manhã, do turno das três da manhã, ao sábado... não havia a semana inglesa, trabalhava-se ao sábado... e no domingo, às oito horas estava lá. Ia trabalhar para lubrificar as máquinas, aquelas coisas todas.

 

Marcelino Machado: E tomaria a gente apanhar domingos!

 

Miguel da Palma: Não era para toda a gente...

 

Manuel Palminha: Eu fui o primeiro a ter seis dias de férias, quando casei!

 

Marcelino Machado: Sabes o que é que eles ofereciam à gente no Natal? Seis briquetes! Não se lembram?



 

 

Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Como descrevem as condições de trabalho? Eram condições bem aceites pelos funcionários ou recordam greves e motivos de contestação?

 

 

 

João Severino: Bom. Isso, nestas coisas de estar no fundo da mina já se sabe que as condições eram péssimas. Se queres ganhar tens que trabalhar. Se trabalhares muito ganhas mais.

 

José Gomes: Naquele tempo não se fazia greve.

 

Nuno Rocha/ O Riomaiorense: A greve era proibida pela legislação em vigor. No entanto, os mineiros do Alentejo, nas Minas de S. Domingos, por exemplo, fizeram greves, mesmo sendo ilegais. Em Rio Maior, recordam  alguma paragem da actividade da mina devido a contestação?

 

Marcelino Machado: Nunca, nunca.

 

Miguel da Palma: Nem sequer se podia falar nisso!

 

José Gomes: Só parou dois dias, que eu me lembre, quando morreram aqueles rapazes que caíram dentro do poço.

 

Alcino Marques: E quando se enchia de água.

 

José Gomes: E havia um gajo que representava o Governo. Era um brigadeiro. Não sei o nome dele. Veio aí e não queria que a mina parasse. Queria que continuasse a trabalhar. O pessoal é que disse: - Não! Os homens estão lá debaixo!

 

Miguel da Palma: Nem sequer admitiam que a gente lá fosse pedir aumentos. Lembram-se de um engenheiro velho que apareceu aí? A gente foi lá pedir aumento e eles começaram logo a falar na PIDE. Nem se podia dizer nada!

 

João Severino: Ó Miguel, não era só na mina. Era o pais inteiro. Era assim.

 

José Gomes: Mas as condições para trabalhar lá dentro não era boas.

 

Miguel da Palma: Era do pior que podia haver.

 

José Gomes: Tínhamos que andar dentro água. Tínhamos que andar na lama. Andava sempre pessoal a limpar as regatas. Chamavam-se as regatas. Andavam os mestres de via a arranjar as linhas e o piso, mas ao fim de duas ou três horas estava tudo na mesma.

As condições não eram boas, mas a gente já sabia que aquilo era assim.

 

Miguel da Palma: E certos sítios que fazia oitenta graus de calor! O mineiro trabalhava lá cinco minutos e tinha de vir para aqui onde já estavam vinte graus. E outras vezes com falta de ar que não se podia lá estar. Nem parados lá podiam estar.

 

 

 

Dr. Arnaldo Vidigal Pais (Vila Nova da Erra, Coruche, 1899 - S. João da Ribeira, Rio Maior, 1961). Médico da EICEL, nomeado pela Companhia de Seguros A Nacional, entre 1934 e 1961. © Arquivo EICEL1920.

"Eles não descansavam porque ganhavam só o ordenado base. Depois trabalhavam ao sábado, trabalhavam ao domingo, trabalhavam aos feriados, que era para ganhar mais."

 

José Gomes

"A gente foi lá pedir aumento e eles começaram logo a falar na PIDE. Nem se podia dizer nada!"

 

Miguel da Palma

bottom of page