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Memórias da Comunidade Mineira de Rio Maior, 1916-1969 (6)

 

 

 

 

 

4. CRESCIMENTO DO TECIDO URBANO. URBANISMO E HABITAÇÃO

 

 

Numa vila onde, conforme nos relata o jornal Concelho de Rio Maior, poucos anos antes seria possível encontrar um número considerável de casas de habitação disponíveis, com a chegada dos novos funcionários da EICEL “velhos palheiros e cocheiras abandonadas, que nunca tinham sonhado serem transformadas em habitações, servem de abrigo (?) a famílias numerosas, sem respeito pelos mais elementares princípios de higiene (…) e as rendas das casas de habitação, mesmo dos piores pardieiros, atingiram níveis nunca antes alcançados, verificando-se, em muitos casos, autênticas especulações, merecedoras de intervenção policial” (11).

O período mineiro foi marcado pela afirmação de um debate público sobre o crescimento urbano e a melhoria das condições de habitação das classes operárias na vila de Rio Maior.

A Câmara Municipal de Rio Maior promoveu, a partir de 1943, a elaboração do Plano de Urbanização da vila, dando cumprimento à obrigatoriedade legal, em vigor desde 1935, de execução de planos de urbanização em todas as sedes de concelho (12).

O estudo, confiado em 1945 ao arquitecto Guilherme Faria da Costa, autor do Plano de Urbanização do Bairro de Alvalade, em Lisboa, embora marcado por diversas vicissitudes até à sua efectiva aplicação, marcou o desenho urbano da vila, com a definição daquela que viria a ser a principal artéria da cidade actual: a Rua A, baptizada em 1968 como Avenida Paulo VI.

O atraso na implementação deste instrumento de ordenamento do território, arrastada até à segunda metade da década de sessenta,  torná-lo-ia inoperacional em face da urgência de edificação de novas áreas residenciais entre a década de quarenta e o final do período mineiro.

A necessidade de uma resposta efectiva à escassez de fogos de habitação e em particular, de habitação económica, levou a Câmara Municipal, no segundo semestre de 1947, a interessar-se pela construção de um bairro de casas para pobres.

O projecto, executado pela Direcção Geral dos Serviços de Urbanização e entregue no final de 1948, previa a construção inicial de trinta moradias. Dificuldades financeiras da autarquia estiveram, no entanto, na origem do sucessivo adiamento da obra, que acabou esquecida.

 

A incapacidade das entidades oficiais levou à mobilização da sociedade civil. Os primeiros resultados concretos foram produzidos por uma instituição católica de assistência, a Conferência de S. Vicente de Paulo (Duarte, 1979: 149), que adquiriu, em Dezembro de 1952, um terreno na vila, na envolvente da actual Rua Marquês de Rio Maior, para edificação de um bairro de casas para pobres (13).

O projecto inicial, que previa a construção, numa área de 3.300 m2, de duas fases de, respectivamente, doze e dez habitações, foi concluído nos últimos meses de 1953. O resultado final – actual Rua do Padre Américo – ficou, no entanto, muito aquém dos objectivos, sendo um primeiro grupo de duas moradias entregue a famílias carenciadas apenas em Novembro de 1955 (figura 16).

A iniciativa privada de construção de habitações foi marcada, neste período, pela incerteza quanto ao futuro da actividade mineira em Rio Maior e pelo atraso na execução do plano de urbanização da vila. Surgiram, neste contexto, dois núcleos precários de habitação para arrendamento, em terrenos privados situados na envolvente do couto mineiro: o bairro do Barrela e o bairro dos Leonores (figura 17), na zona do Abum.

Os antigos mineiros descrevem a ausência de condições mínimas de habitabilidade nestes bairros, caracterizados pela má construção, pela inexistência de instalações sanitárias, de abastecimento de água e de electricidade.

Ainda no âmbito da iniciativa privada, foi posto em prática o aforamento, a preços reduzidos, de terrenos em áreas periféricas da vila, próximas do couto mineiro, nos quais se construíram habitações económicas, mediante iniciativa dos interessados. Nasceram assim a Rua Nova do Gato Preto ao longo da via férrea, e, já na década de sessenta, o Bairro Laureano Santos, em terrenos contíguos à fábrica de briquetes.

 

A EICEL concorreu, de forma limitada, para a disponibilização de habitações aos seus operários, com a construção, em 1945, de 9 casas de madeira para vigilantes e capatazes e com a edificação, em 1946, de um conjunto de 8 casas em banda nas imediações do pólo dos Bogalhos e da mina de diatomite do Abum (14) (figura 18). Na década de cinquenta, a empresa transformou as instalações do pólo dos Bogalhos, construindo camaratas para operários solteiros, dotadas de balneários e áreas de refeição colectivas.

A inexistência de uma política de habitação da empresa, justificada, segundo os responsáveis, pela proximidade da área de extracção ao núcleo urbano de Rio Maior, não impediu, no entanto, o apoio a iniciativas privadas, como se verificou na segunda metade da década de cinquenta, com a construção do Bairro Mineiro de Santa Bárbara (figuras 19 e  20), localizado no extremo Norte da vila.

O bairro, construído por iniciativa privada avalizada pela EICE SARL, era constituído por doze moradias em banda, com três quatros e uma cozinha/ sala de refeições, servidas por alpendre aberto sobre quintal murado, com instalação sanitária anexa. As moradias eram exclusivamente destinadas ao alojamento de funcionários da empresa mineira, sendo inicialmente habitadas por 12 famílias, com cerca de meia centena de crianças.

As casas são descritas à data da inauguração, em Maio de 1959, como “simples mas decentes”, com “um ar tão lavado” e “tão alegremente batidas pelo sol, que para os seus humildes habitantes, comparadas com as barracas onde viviam, são quase palácios” (15).

Edificações pobres em número e condições de habitabilidade, os bairros mineiros riomaiorenses partilham de uma simplicidade de recursos comum a outras construções residenciais mineiras edificadas em Portugal na primeira metade do século XX.

(11)

“Questões de momento. A Misericórdia devia tratar da construção de Casas para Pobres”. In Concelho de Rio Maior, n.º179. Rio Maior, 1 de Fevereiro de 1946.

(12)

Prevista na Lei de Reconstituição Económica. Lei nº 1914, de 24 de Maio de 1935.

(13)

“Casas para pobres”. In O Riomaiorense (3a Série), n.º 99. Rio Maior, 15 de Dezembro de 1952.

(14)

MENA, L.F. – Relatório referente às actividades do Couto Mineiro do Espadanal no ano de 1946. Rio Maior, 30 de Janeiro de 1947, 7p + gráfico. AHMIN, DGEG.

(15)

“Memorial”. In O Riomaiorense (3ª Série), nº220-221. Rio Maior, 20 de Maio de 1959.

Figura 16 - Rua do Padre Américo,  Rio Maior, 2008. © Colecção Nuno Rocha, Arquivo EICEL1920.

Figura 17 - Bairro Mineiro dos Leonores, Rio Maior, 2008. © Colecção Nuno Rocha, Arquivo EICEL1920.

Figura 18 - Conjunto de 8 casas em banda construídas pela EICEL (detalhe), Rio Maior, 2010. © Colecção Nuno Rocha, Arquivo EICEL1920.

Figura 19 - Bairro Mineiro de Santa Bárbara, Rio Maior, 2008. © Colecção Nuno Rocha, Arquivo EICEL1920.

Figura 20 - Bairro Mineiro de Santa Bárbara, Planta de duas das doze moradias em banda. © Arquivo EICEL1920.

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