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Memórias da Comunidade Mineira de Rio Maior, 1916-1969 (9)

 

 

 

 

6. CRISE SOCIAL. O ENCERRAMENTO DAS MINAS DO ESPADANAL

 

 

As minas do Espadanal, reconhecidas como único jazigo com viabilidade industrial a Sul do Cabo Mondego, constituindo uma reserva estratégica para a economia nacional, foram intervencionadas pelo Estado durante os anos quarenta e cinquenta, conhecendo nessa época o seu período áureo. O sucessivo e avultado investimento de capitais públicos na empresa concessionária, bem como a criação de um favorável enquadramento legal, não foram, no entanto, suficientes para garantir a aceitação das lignites num mercado de combustíveis estabilizado no pós-guerra e já maioritariamente dominado pelos produtos petrolíferos.

O início da década de sessenta foi marcado por uma progressiva descapitalização da empresa. A gravidade da situação económica da EICE SARL foi sentida pela comunidade mineira a partir de Novembro de 1961. Enquanto decorria uma negociação para a revisão do contrato colectivo de trabalho dos dezanove funcionários da direcção técnica e escritórios, a administração da EICE SARL decidiu suspender o respectivo pagamento de salários.

O novo contrato colectivo de trabalho foi aprovado em Janeiro de 1962, com uma significativa melhoria salarial. Durante os anos seguintes nunca se verificou, no entanto, o seu cumprimento integral. Enquanto a empresa aceitava o aumento salarial (cujo pagamento ia protelando), decidiu, unilateralmente, suprimir todas as regalias financeiras, de carácter permanente, que até aí atribuía aos funcionários de escritório, nomeadamente subsídios para o pagamento de renda de casa, água e electricidade, e cuja supressão o contrato expressamente proibia.

Perante promessa de que a situação seria resolvida em curto prazo, os funcionários aguardaram pacientemente enquanto a dívida aumentava, até que, em Fevereiro de 1963, quando se acumulavam já seis meses de ordenados em atraso, resolveram apresentar reclamação junto da administração da empresa.

O jornal O Riomaiorense denunciou a “situação deplorável” dos funcionários da EICE SARL revelando que “o assunto foi exposto às entidades oficiais, julgadas competentes para o resolver, sem qualquer resultado positivo.” (31)

Nenhuma medida foi tomada até Agosto de 1963, data em que a revista Seara Nova, expôs em breve notícia a ”situação aflitiva” existente, declarando não poder deixar de “reflectir na pouca importância em que são tidos, pela entidade patronal dessas minas, os direitos daqueles que trabalham” e considerando que  “compete aos poderes públicos terem uma intervenção pronta e eficiente no sentido de solucionarem o problema”. (32)

Neste mês e perante a escalada da denúncia pública, a EICE SARL pagou aos dezanove funcionários quinhentos escudos por conta do ordenado de Dezembro de 1962.

António de Oliveira Salazar tomou conhecimento do caso através de carta remetida pela Assistente Social da empresa mineira, datada de 22 de Agosto, e de um relatório da Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) datado de 23 de Setembro.

O relatório da policia política descreve o “alarme social” existente em Rio Maior, revelando a disposição dos funcionários da EICE SARL de “avançarem para uma greve de braços caídos, sob o pretexto de, por mal alimentados, não terem forças para trabalhar” (33), e referindo também a possibilidade de um pedido de demissão do Presidente e do Vice-Presidente da Câmara Municipal, no caso de a situação se manter.

A PIDE adverte a Presidência do Conselho de Ministros e os Ministérios do Interior e das Corporações e Previdência Social  para a necessidade de “se estar atento e vigilante, dado que tal situação é já do conhecimento de muitos dos elementos oposicionistas que não deixam de se aproveitar do facto para especulação.” (34)

No dia 28 de Outubro, perante a acumulação de dívida, os funcionários deslocaram-se a Lisboa para a apresentação de uma exposição à administração da empresa definindo um prazo até 8 de Novembro para a regularização da situação, findo o qual consideravam terminadas as suas obrigações para com a empresa. Na sequência da exposição apresentada, a empresa fez um novo pagamento por conta com valores entre os duzentos e os trezentos escudos, completando o salário de Dezembro de 1962 a alguns funcionários. No entanto, passado o prazo fixado, o atraso no pagamento de salários manteve-se.

Os funcionários encontravam-se prisioneiros desta situação, uma vez que a legislação não garantia o pagamento dos salários em atraso em caso de despedimento voluntário, o que inviabilizava a desvinculação da empresa e a procura de novo emprego, sem a perda de uma quantia avultada.

Durante este período verificou-se também o atraso no pagamento do abono de família pela Caixa de Previdência, causado pelo incumprimento da empresa no pagamento das prestações sociais. O Estado solucionou este problema, por intermédio de despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social, determinando o pagamento do subsídio independentemente do cumprimento da empresa na liquidação das contribuições. A dívida da EICE SARL à Segurança Social atingiu em 1963 o valor de um milhão e quinhentos mil escudos.

Em Novembro, as dificuldades dos funcionários da EICE SARL foram denunciadas na imprensa nacional, através de uma grande reportagem do Diário Popular, na qual foi exposta em detalhe a situação vivida na Mina do Espadanal, sob o título: “Também há dramas à superfície. Nas minas de Rio Maior têm onze meses de ordenados em atraso dezanove empregados (entre 300)” (35) (figura 26).

O impacto da reportagem na opinião pública causou reacções na administração da empresa e nas entidades oficiais. Após 12 meses de salários em atraso, nos quais, por medo e autocensura, a maioria dos trabalhadores permaneceu em silêncio, surgem acusações de manipulação politica.

 

(31)

“Situação deplorável”. In O Riomaiorense (3ª série), n.º 259. Rio Maior, 24 de Fevereiro de 1963.

(32)

“Situação aflitiva”. In O Riomaiorense (3ª série), n.º 267/68. Rio Maior, 25 de Agosto de 1963.

(33)

[Informação n.º 57 – C.I. (1). Enviada à Presidência do Conselho e aos Ministérios do Interior e das Corporações e Previdência Social]. PIDE, Rio Maior, 23 de Setembro de 1963, IAN/TT-AOS.

(34)

Idem, ibidem.

(35)

“Também há dramas à superfície. Nas Minas de Rio Maior têm onze meses de ordenado em atraso dezanove empregados (entre 300). In Diário Popular. Lisboa, 14 de Novembro de 1963.

Figura 26 - Reprodução parcial da primeira página da edição do Diário Popular de 14 de Novembro de 1963.

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