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A atividade mineira em Portugal na Idade Média: o caso de Rio Maior

(pistas de investigação)

                                                    

 

 

                                      

                                           

 

 

 

O estudo da atividade mineira em Portugal na Idade Média constitui um desafio para o investigador, oferecendo um vasto campo de possibilidades do ponto de vista da história, da arqueologia, da geografia, da engenharia, entre outras disciplinas. Esta temática não deixa de requerer uma visão transdisciplinar essencial para a compreensão do funcionamento do trabalho da mineração, potenciando o cruzamento dos dados já existentes e com aqueles que poderão vir a surgir, resultantes, sobretudo, das escavações arqueológicas.

 

Ao fazermos um ponto da situação, pouco se sabe sobre o funcionamento da extração e o trabalho dos metais em Portugal, em particular, do ferro. São escassas as fontes (1) e os estudos bibliográficos, entre os quais, se destacam os estudos de Virgínia Rau, Iria Gonçalves, Mário Jorge Barroca, Jorge Custódio, Luis Miguel Duarte, entre outros. É, porém, graças a eles, que podemos dar a conhecer a existência de atividade mineira em Rio Maior e lançar pistas para futuras investigações, alertando, ao mesmo tempo, para algumas questões de metodologia, como veremos ao longo do presente artigo.

 

Partamos de um documento do século XIII que chegou até aos dias de hoje, de 7 de abril de 1250, que chama a atenção para a prática da exploração do ferro em terras riomaiorenses, nos coutos do Mosteiro de Alcobaça, possivelmente nas proximidades de Espadanal, segundo Robert Durand (2). É, através desta carta do Abade, D. Fernando Mendes, que concedeu ao chanceler do rei D. Afonso III, - D. Estêvão Anes -, que podemos compreender o interesse da mineração para os monges de Cister. O abade concedeu ao chanceler, em regime jurídico hereditário as seguintes possessões: vinhas, herdades, moinhos, fornos e entre outras propriedades, da vila de Rio Maior, termo de Santarém. No entanto, este salvaguardou para o cenóbio as minas de ferro localizadas no domínio de D. Urraca Fernandes e o direito de fundir e transformar o minério em instrumentos (3). Esta situação repetiu-se de forma semelhante quando, em 1259, os cistercienses concederam uma carta de povoamento ao lugar Rio de Moinhos, nas proximidades de Vallado, atualmente Valado dos Frades, na zona nordeste do cenóbio, reservando para eles os direitos das minas de ferro (4).

 

Este facto evidencia o valor e a importância dos metais, sobretudo do ferro como uma matéria-prima no fabrico de objetos essenciais no quotidiano da sociedade medieval portuguesa e a necessidade clara de o mosteiro controlar a atividade mineira em seu próprio benefício.

 

Os monges cistercienses exploraram os vieiros de ferro de Rio Maior, provavelmente do período do romano, aproveitando os filões e as camadas que estavam à superfície. Dificilmente teriam ido mais longe que os romanos ao escavar o subsolo, devido à falta de meios tecnológicos e de mão-de-obra especializada.

 

As quantidades extraídas seriam à partida pouco significativas. Também é bastante provável que o mosteiro tivesse a necessidade de adquirir este minério fora dos seus coutos, uma vez que se tratava de uma substância escassa no reino, recorrendo muitas vezes à sua importação de outros reinos europeus, tais como Castela, Flandres e França (5).

 

Apesar dos escassos recursos técnicos, a extração e a gestão das minas pelo mosteiro de Alcobaça levanta-nos uma série de questões. Como os monges procederiam à exploração das minas? Que recursos teriam usado? Já teriam utilizado a energia hidráulica? Sabemos da passagem de um rio nas imediações das minas, suscitando-nos a hipótese do uso e controlo da água como força motriz no processo de produção siderúrgica e nos trabalhos de transformação do minério nas ferrarias. Desconhecemos, contudo, as fases de produção do ferro com detalhe, as técnicas empregues e os momentos de introdução e desenvolvimento tecnológico na Idade Média em Portugal. Trabalhava-se assim o ferro nas fráguas, provavelmente localizadas cerca dos jazidos dos minerais, fundindo e transformando, em primeiro lugar, o referido metal em barras para ser utilizado posteriormente na criação de novos produtos. As barras de ferro eram aquecidas e marteladas nos fornos para facilitar a moldagem e a transformação da matéria-prima (6). Era bem possível que as forjas e as ferrarias funcionassem como uma espécie de fundições do metal, segundo a perspetiva de Rolf Sprandel (7), onde era comum empregar a energia hidráulica, o carvão vegetal e a lenha no processo de produção siderúrgica (8).

 

Figura 1 - Ferreiros. Extracto de iluminura do Álbum de Astrologia de Albumazar. Holanda, Século XIV. © British Library, Sloane 3983, f.5

(1)

[De acordo com Luís Miguel Duarte, nas "chancelarias régias ou em cartórios particulares é reduzido o volume de documentação que se lhes refere.”, Luis Miguel Duarte, “A atividade mineira em Portugal durante a Idade Média. (Tentativa de síntese) ” in Revista da Faculdade de Letras. História, vol. XII, II Série, Porto, 1995, p.75.

(2)

Robert Durand, Les campagnes portugaises entre Douro et Tage aux XIIe et XIIIe siècles, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian e Centro Cultural Português, 1982, p. 202.

(3)

IANTT, Corporações Religiosas – Alcobaça, mç. 7, doc. 40. Virgínia Rau, “Exploração do ferro em Rio Maior no século XIII.”, in Revista Portuguesa de História, Nº3, Coimbra, 1945, pp. 199-202.

(4)

Virgínia Rau, op.cit, p. 201; Mário Jorge Barroca, “Ferrarias medievais do Norte de Portugal.”, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia. Colóquio de Arqueologia do Noroeste Peninsular. Proto-História, romanização e Idade Média. Atas. (Porto – Baião, 22 a 24 de Setembro de 1988), vol. II, Porto, Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, 1988, pp. 212 – 213; Robert Durand, op.cit, p. 202 (IANTT, Corporações Religiosas - Alcobaça, m.1, Nº1); Iria Gonçalves, O património do Mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV, Lisboa, UNL. FCSH, 1989, p. 278.

(5)

Luis Miguel Duarte, op.cit, p. 99.

(6)

Marta Sancho, “El hierro en la Edad Media: desarrollo social y tecnología productiva.”, in Anuario de Estudios Medievales, Nº41, Fasc.2, Madrid, 2011, pp.652-656, in Anuario de Estudios Medievales. Consejo Superior de Investigaciones Científicas, http://estudiosmedievales.revistas.csic.es/index.php/estudiosmedievales/issue/view/22/showToc , 23de Dezembro de 2012

(7)

Rolf Sprandel, “Notas sobre la producción de hierro en la Península Ibérica durante la Edad Media.”, in Anuario de Estudios Medievales,  Nº13, Madrid, 1983, p.357.

(8)

Marta Sancho, op.cit, p.645; Jorge Custódio e G. Monteiro de Barros, O ferro de Moncorvo e o seu aproveitamento através dos tempos, [s.l], Ferrominas EP, 1984, p. 19; María Isabel del Val Valdivieso e Juan Antonio Bonachía Hernando, “La cultura del agua en la Castilla medieval: aspectos medievales.”, in Caminhos da água. Paisagens e usos na longa duração. Coord. Manuela Martins, Isabel Vaz Freitas e Mª Isabel Val Valdivieso, Porto, CITCEM, 2012, p. 154.

Por Maria Alice Tavares

Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa

Ferreiros e ferradores eram os mesteirais que mais necessitavam deste minério para poderem desenvolver as suas atividades nas ferrarias, geralmente situadas nos núcleos urbanos ou nas suas cercanias (9). Deles dependia o fabrico de instrumentos agrícolas, ferraduras, materiais de construção (pregos, cravos, por exemplo), armas, apetrechos para animais, entre outros objetos essenciais para o dia-a-dia das populações, colocando-os no mercado.

 

Em suma, podemos concluir que o estudo da atividade mineira em Portugal na Idade Média, mais em concreto, o caso particular de Rio Maior, aguarda um estudo mais pormenorizado e minucioso, com o fim de compreendermos as inúmeras dúvidas e hipóteses em torno desta temática. Torna-se pertinente saber quais foram as minas do mosteiro, as suas localizações, as técnicas utilizadas, as ferrarias, o comércio de ferro em bruto e dos instrumentos realizados com este metal. É também importante conhecer as minas do mosteiro alcobacense, como as exploravam e as geriam. Ou seja, fazendo uso das palavras de Luís Miguel Duarte, deixo igualmente o repto da necessidade de “avaliar o peso das minas e oficinas metalúrgicas de Rio Maior na economia do mosteiro, uma vez que havia com toda a probabilidade outras jazidas e que parte do ferro importado por Selir se pode ter destinado às necessidades dos cistercienses.” (10)

 

 

Maria Alice Tavares

 

 

Doutora em História, especialidade em História Medieval pela Universidade de Lisboa. Investigadora integrada do Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa e membro da Cátedra de Estudos Sefarditas «Alberto Benveniste» da Universidade de Lisboa. Agradeço o apoio e a colaboração do Prof. Doutor Mário Viana.

(9)

Luís Miguel Duarte, op.cit, p.103; Luís Miguel Díez de Salazar, “La industria del hierro en Guipúzcoa (siglos XIII-XVI). (Aportación al estudio de la industria urbana).”, En La España Medieval, vol. 6, Madrid, 1985, pp. 254-255.

(10)

Luis Miguel Duarte, op.cit, p. 102.

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