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125 Anos do Jornal O Riomaiorense . Sessão Comemorativa (10)

                                                    

 

 

                                     

 

 

 

 

Manuela Goucha Soares: Deixem-me só dizer uma coisa. Eu não acho que as pessoas se tenham deixado de interessar pelas notícias, nem pelo jornalismo, porque o que nós estamos a discutir aqui são suportes de jornalismo. E é irrelevante. Em termos de suporte eu acho que a discussão de ser papel ou net já está ultrapassada. Agora há uma outra discussão para a qual eu ainda não conheço a solução e tu, provavelmente também não. É que ao haver uma deslocação cada vez maior para a net e uma progressiva diminuição do número de espectadores de telejornais e do número de leitores de jornais tradicionais, há uma quebra brutal nas receitas da publicidade que é o sítio de onde vem o dinheiro dos jornais. Não é a vender jornais que nos pagam ordenados. É que isto é um fenómeno que é mundial, não é nosso. Nós estamos há quinze anos com despedimentos em massa de jornalistas e de pessoas que trabalham em jornais, e é óbvio que aí é que se pode pôr em causa a qualidade do produto.

 

Mas, isto mais do que uma reflexão dos jornalistas... Eu penso que não foram os jornalistas que se perderam neste processo. Quem se perdeu, e quem tomou opções que, eventualmente, nos conduziram a esta situação, foram as administrações dos jornais. Foi quem tem o poder de decisão económica sobre os jornais. Porque abriram a porta a uma situação que nos colocou no centro de uma crise financeira que compromete a sobrevivência daquilo que é o jornalismo, seja num suporte digital ou seja num suporte tradicional.

 

Adelino Gomes: Ó Luís, tu fazes arbitragem, não fazes, como jurista? É que vais precisar, porque eu agora vou discordar da Manuela.

Manuela Goucha Soares: Pois, eu discordei de ti.

 

Adelino Gomes: Vou-te dar um exemplo: o jornal Público... e o jornal Expresso... O jornal Público, em vinte e sete anos de existência, deu lucro três vezes. E o máximo de lucro que deu, foi na altura vinte mil contos, que era uma quantia irrisória. Eu posso fazer várias críticas ao Engenheiro Belmiro de Azevedo, porque lhas fiz, mas há uma coisa que os jornalistas do Público nunca perceberam: é que tiveram vinte e oito anos de possibilidades que foram assumidas por um homem, com os seus interesses... ele era, em 1989, um homem com dinheiro, mas que nós poderíamos chamar, sem ofensa, um merceeiro de primeiro nível e um industrial de nível razoável, e passou a ser uma figura importante na sociedade, não é? E porquê? Faltava-lhe o capital social. Faltava-lhe a importância de um dono de um jornal de referência no país, que as pessoas pensavam – o que não é verdade, em Portugal pelo menos nunca aconteceu – mas as pessoas pensavam que tinha o poder de derrubar um Presidente. Portanto, tinha muita influência.

 

O Engenheiro Belmiro de Azevedo pagou, durante vinte e oito anos, a um grupo de jornalistas, e pagou bem, para que fizessem um jornal que interessasse aos portugueses. E nós chegamos a vender cento e tal mil exemplares durante a Guerra do Golfo. Hoje é um jornal com muitas dificuldades.

 

Esta crise é também a crise de um mundo em que houve um grupo que durante cento e cinquenta anos falou sozinho e não deixou falar os outros para cá. Só escreviam cartas e aplaudiam na televisão. Só escreviam cartas de leitor nos jornais, só pediam o disco na rádio.

 

Os mais velhos que estão aqui lembram-se disso. Durante anos, as pessoas podiam chegar à rádio e então o que tinham eram os discos pedidos. Mas mesmo para os discos pedidos – eu gosto de contar isto, porque isto é impressionante – mesmo para os discos pedidos, mesmo para a pessoa que gostava do Paul Anka, pedir o Paul Anka, e ter o direito a que lhe passassem o Paul Anka, havia o locutor que dizia assim: diga antes a frase...

 

(Dirigindo-se a Luís Laureano Santos) Tu também fizeste! Tu obrigavas os fulanos a dizerem a frase: Compre candeeiros Vitória, não se preocupe mais, é na Rádio não sei quantos... Portanto, eles tinham que fazer um anúncio para terem direito ao Paul Anka, não é? E os jornais, mesmo no Público, quando começámos... o Público tinha meia página para as cartas dos leitores. E há lá uma coisa, se vocês lerem, penso que ainda hoje continua, que dizia assim: o jornal tem o direito, arroga-se o direito... não pode escrever mais de setecentos caracteres e o jornal pode tirar coisas... Quer dizer, portanto, nós durante cento e cinquenta anos achámos que era uma voz unidireccional. [E então] as pessoas antigamente conhecidas por audiência disseram assim:

- Deixa lá que eu também quero falar.

 

Manuela Goucha Soares: Bom, tu trabalhaste num jornal que durante muitos anos teve o Engenheiro Belmiro de Azevedo a entrar com o dinheiro. Eu trabalho num jornal há trinta anos que, se desse prejuízo, não havia palhaços. Basicamente é isto. O jornal pode não dar tanto lucro, mas é auto-sustentável.

 

Adelino Gomes: E isso faz a grandeza do Dr. Balsemão, que na verdade fica na história do jornalismo português porque foi um tipo que, como nenhum outro, percebeu... talvez o que o tenha perdido fosse a televisão, a ambição da televisão, porque no jornalismo ele realmente fez um jornal muito importante e decisivo.

 

Manuela Goucha Soares: E ele não se metia no jornal, o que é uma coisa importante, quem detém o capital não se meter no jornal. Agora o jornal deu sempre... Agora dá para se aguentar, cada vez com menos pessoas, cada vez a pagar pior... mas aguenta-se.

 

Agora aqui também há um problema... eu concordo contigo que isto tem sido sempre uma falação unidireccional dos jornalistas para o outro lado, para os leitores, para quem consome este produto. Agora há uma outra coisa, dentro dos jornalistas... os jornalistas não são assim uma massa indiferenciada. Um bocadinho como na tropa, há soldados rasos, há generais, há esta gente toda. E eu agora posso falar pelo meu jornal. Quando eu digo o meu jornal, foi o jornal onde eu passei quase toda a minha vida profissional...

 

Aquela coisa que à bocado foi lida e que era a minha nota de apresentação do jornal, e que foi escrita há muitos anos... eu hoje nunca escreveria que tinha problemas com as novas tecnologias. Ficou lá escrito naquela altura, já nem me lembrava que aquilo existia. Até porque as novas tecnologias permitem-nos fazer trabalhos cruzando várias épocas que de outra forma não faríamos.

Agora, no fundo, no meu jornal, a participação democrática dos jornalistas é muito pequena. Porque há um topo, que são as chefias, que mais ou menos decide aquilo que sai ou que não sai. Nós damos opiniões, fazemos propostas. Agora, aquilo que nós achamos que deve sair, nós que andamos de metro, que andamos de autocarro, que apesar de tudo falamos com as pessoas, enquanto que há pessoas que vão só de carro, que há muitos anos que não devem saber o que é andar de autocarro, que são coisas importantes para sentir um pouco o pulsar de uma sociedade... De facto, isso não acontece. Falam com os políticos, falam com certas fontes e aquilo anda ali tudo em circuito fechado. E isso é um dos problemas que eu acho que toda a Comunicação Social hoje sente. E não só cá.

Estamos numa fase de mudança. Eu não sei como é que vamos sair disto. Acho que a imprensa já viveu grandes crises. Se nos lembrarmos que o primeiro jornal português nasceu em 1641... essas crises são cíclicas e alguma coisa sairá daqui. Eu penso que, no essencial, a essência do jornalismo vai manter-se. Agora estamos numa fase de transformação de suporte, estamos numa fase de luta pela sobrevivência financeira. Porque as pessoas basicamente... as redes sociais criam uma ilusão de informação e ao criarem uma ilusão de informação que é gratuita, as pessoas desabituaram-se de pagar a informação e ao desabituarem-se de pagar a informação e ao haver uma alteração dos meios de comunicação tradicionais e uma deslocação para a net, houve uma deslocação das receitas, houve receitas que se perderam, as das vendas, e houve uma deslocação de receitas para a net. A publicidade na net tem um preço irrisório, enquanto que a publicidade no papel era cara, sobretudo quando era em papel de revista e era muito bem paga. A publicidade na net, de facto, tem um preço irrisório, e por isso, neste momento, eu acho que toda a Comunicação Social está num período de luta pela sobrevivência financeira.

Se consultarem os melhores jornais do mundo, o Guardian, por exemplo, tem o site todo aberto, e depois no fim tem sempre um pedido, em que pedem às pessoas que deem contributos, porque eles têm um fundo que lhes permite ainda viver quatro ou cinco anos, mas se calhar daqui a quatro ou cinco anos, se não conseguem receitas, não podem manter o jornal.

(Continua na página seguinte)

"Eu não acho que as pessoas se tenham deixado de interessar pelas notícias, nem pelo jornalismo, porque o que nós estamos a discutir aqui são suportes de jornalismo. E é irrelevante. Em termos de suporte eu acho que a discussão de ser papel ou net já está ultrapassada."

Manuela Goucha Soares

 

"Esta crise é também a crise de um mundo em que houve um grupo que durante cento e cinquenta anos falou sozinho e não deixou falar os outros para cá. Só escreviam cartas e aplaudiam na televisão. Só escreviam cartas de leitor nos jornais, só pediam o disco na rádio."                      Adelino Gomes

 

"Estamos numa fase de mudança. Eu não sei como é que vamos sair disto. Acho que a imprensa já viveu grandes crises. Se nos lembrarmos que o primeiro jornal português nasceu em 1641... essas crises são cíclicas e alguma coisa sairá daqui. Eu penso que, no essencial, a essência do jornalismo vai manter-se."

Manuela Goucha Soares

 

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