Carlos António da Silva (1917-2001)
Por Maria Júlia Faria e Silva Antunes Figueiredo
Membro do Conselho Consultivo da EICEL1920
As palavras falam? Pois falam.
Só as entende quem quer,
Que todas as coisas têm
Uma coisa para dizer.
Maria Alberta Meneres, Conversas com Versos.
Rompia ainda o início da década de 40, gemia-se a dor da guerra, sofria-se a incerteza do desfecho, duvidava-se do futuro, alimentava-se a esperança da paz:
Quadros tão duros batiam à porta, forçada pela angústia da fome, retratos humanos que ainda se recordam.
Saído da Escola Industrial Jacôme Ratton, em Tomar, onde aprendera técnicas de mecânica, experimentadas depois na Metalúrgica do Nabão, partiu para longe, para as minas de Moncorvo, que lhe serviram de estágio no mundo subterrâneo.
Aí conheceu o engº Filliti, com quem viria a trabalhar de novo, que o entusiasmou a descer para terra mais próxima da sua de nascimento, Rio Maior.
Aqui chegou, tinha 26 anos ainda frescos, facilmente se integrou numa equipa de jovens técnicos, também chegados como ele, trabalhando ativamente, em qualquer situação, com aqueles que perfuravam as entranhas da terra, alargando o campo de extração do minério, fonte de desenvolvimento para Rio Maior.
Da sua terra fez visitas, desta fez residência, adoptando-a como de berço, cedo a viver os seus hábitos, a conhecer pessoas e a corresponder com ímpeto às exigências que a terra pedia.
Assim contribuiu para o desabrochar da pacata vila rural, abrindo-a com outros ao comércio e à indústria.
Aquela que o acompanhou toda a vida, chegou no dia de São Pedro do ano de 1944, união cimentada pela descendência, herdeiras da dedicação votada por si nas mais diversas áreas a favorecer a construção de uma sociedade mais virada para o futuro.
Mais uma família se fixara e juntara a tantas outras vindas de outros lugares e terras do país, que Rio Maior recebeu retribuindo com gratidão.
Lembro que não tinha horário de trabalho, a noite era dia, se houvesse avarias ou derrocadas e presente no seu posto vigiava as máquinas, lidava com os operários das oficinas.
Lembro o movimento do pessoal rua 5 de Outubro ao Espadanal, com passagem pela cantina para a luz dos gasómetros e avio das mulheres para o farnel dos seus homens e alimentação da prole.
Lembro as camionetas Andorinhas que ali passavam para carregamento do carvão.
Lembro as idas à passagem do comboio para os lados de São Gregório ao Gato Preto.
Lembro os passeios ao cais de embarque, aos escritórios, à enfermaria e oficinas.
Lembro a poeira e fumo negros do carvão que salpicavam a roupa branca nos estendais.
Lembro a voz de meu pai a acalmar-nos, cansadas das viagens à família de origem, que dizia:
- Olhem, já se vê a Chaminé da Mina, estamos perto de casa.
Das pedras que falam, a “ainda chaminé” insiste ver à sua volta e talvez dizer o que nem todos entendem e meu pai me ensinou.
Carlos Silva merece-me respeito e saudade pelo exemplo que foi enquanto homem e trabalhador na mina, mineiro como os restantes.
Aqui chegou em tempo de guerra, aqui se ficou em paz.
Maria Júlia Faria e Silva A. Figueiredo
Rio Maior, 6 de Outubro 2015