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(Editorial)  O centro histórico de Rio Maior 

A terra, os homens e o património

 

 

 

 

 

 

 

O enraizamento talvez seja a necessidade mais importante e mais ignorada da alma humana. É uma das mais difíceis de definir. Um ser humano cria raízes devido à sua participação real, activa e natural na existência de uma colectividade que mantém vivos alguns tesouros do passado e alguns pressentimentos do futuro. (1)

                                                                                                                                  (Simone Weil, 1943)

 

O centro histórico de Rio Maior conserva os projectos, as ambições e as obras concretizadas por sucessivas gerações de riomaiorenses. Vestígios da presença culta e informada de antepassados tantas vezes esquecidos, que continuam a surpreender-nos a um olhar mais atento.

 

A história local não é povoada de heróis, santos ou sábios notáveis, embora também os reis por aqui tenham permanecido, como nos conta Fernão Lopes nas suas crónicas. Aqui fixaram raízes, por nascimento, laços familiares ou ofício, homens comuns, laboriosos, que amaram este lugar como seu e que, entre as dificuldades quotidianas de uma vida de trabalho, encontraram sempre uma reserva de espírito para se dedicarem ao engrandecimento da comunidade à qual pertenciam.

 

Surgem referências a estes homens bons de Rio Maior desde a Idade Média. Se não puderam legar-nos construções grandiosas, por falta de meios, souberam, no entanto, com os recursos existentes, erguer um valioso património comum, que é hoje a cidade de todos nós.

 

Muitas das melhores obras da comunidade foram erguidas, com dificuldade, mediante a associação de cidadãos comuns, comerciantes, profissionais liberais, operários, que decidiram juntar esforços para fazer obra colectiva. São disso exemplo o desaparecido Teatro Riomaiorense, a Associação dos Bombeiros Voluntários, ou a Igreja Paroquial. (Desejamos que o futuro Museu Mineiro possa juntar-se a esta galeria ilustre).

 

A construção destas obras fez-se sempre de amor pela terra, do enraizamento dos homens na colectividade, da qual recebiam os exemplos dos seus maiores a quem respeitavam e desejavam igualar. Ao longo das décadas sucederam-se homens e mulheres que fizeram sua a tarefa de conservar a obra realizada e acrescentá-la, adaptando-a às necessidades dos tempos que eram os seus. Nesse desejo de pertencer, de deixar um contributo, muitos se destacaram pela participação cívica, pela acção social ou pelo cultivo amador das artes, deixando uma marca perene nas ruas da antiga vila.

 

O tempo lento deste processo evolutivo permitia o aperfeiçoamento das soluções e a procura do belo. A harmonia estética do antigo conjunto urbano, a sua escala humana, os traços de pitoresco e, em alguns casos, de qualidade arquitectónica, resultaram assim de um saber-fazer acumulado, compreendido, e transmitido ao longo de gerações.

 

O século XX estabeleceu uma ruptura com este modo de fazer cidade. A evolução tecnológica tornou fácil e rápida a total destruição de uma obra existente e a sua substituição por obra nova. Em Rio Maior, a partir da década de setenta, em nome de uma ideia equívoca de progresso, quebrou-se a harmonia da vila histórica, nela se erguendo edifícios dissonantes apenas justificados pelo lucro e pela ignorância.

 

O passado destruído é irrecuperável, mas a destruição realizada até hoje não conseguiu ainda comprometer o valor cultural do tecido urbano histórico de Rio Maior. A conservação do que resta deve ser uma prioridade das políticas de ordenamento do território.

 

A EICEL1920, desde a sua criação em 2010, tem procurado sensibilizar o Município de Rio Maior para a necessidade de salvaguarda deste património. Entre as várias intervenções oportunamente divulgadas, destaca-se a Proposta de Salvaguarda apresentada a 5 de Outubro de 2018, que publicamos na presente edição do Riomaiorense.

 

Parafreaseando o filósofo britânico Roger Scruton, diríamos que a conservação do património é um acto de amor pelos lugares aos quais pertencemos. Elegemos os lugares e as obras que nos são mais preciosas e fazemos o que está ao nosso alcance para preservá-las do perigo constante da destruição, mantendo-as vivas como uma herança valiosa que não nos pertence, e que apenas custodiamos.

 

Resta a cada riomaiorense assumir a responsabilidade que lhe cabe na luta antiga e permanente pela valorização cultural de Rio Maior.

O Director

Nuno Rocha

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Figura 1 - "Luar de Janeiro". Fotografia de António Feliciano Júnior, década de 50. © Colecção António Feliciano Júnior. Arquivo O Riomaiorense.

(1)

WEIL, Simone - O Enraizamento. Prelúdio para uma declaração dos deveres para com o Ser Humano. Lisboa: Relógio d'água editores, 2014, pág. 45.

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