(Opinião) Imprensa Regional Livre - Uma ideia utópica?
Por Manuela Fialho
Secretária da Mesa da Assembleia-Geral da EICEL1920
"Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir".
George Orwell
O Riomaiorense celebra, durante o ano 2018, cento e vinte e cinco anos de existência. Razão mais do que suficiente para uma reflexão sobre a importância da imprensa regional no contexto de uma sociedade democrática, constrangimentos com que se debate e razões para que se mantenha atuante.
Nos cento e vinte cinco anos que antecedem, Portugal atravessou crises políticas e económicas várias, modificações radicais na organização do Estado, convulsões sociais diversas. Desde a morte da monarquia à implantação da república, passando pela instalação da ditadura até ao advento e consolidação da democracia.
Intitulando-se agora uma publicação de caráter científico, o título soube resistir à passagem do tempo e adaptou-se à era digital. Com esta mudança de atitude conserva a sua vocação regional ao mesmo tempo em que se transporta para um mundo onde se não conhecem fronteiras, alargando incomensuravelmente o seu universo de leitores.
Não será, contudo, esta a situação comungada pela imprensa regional tradicional à qual já chamaram dinossauro comunicacional. A expressão, carregada de simbolismo, remete-nos tanto para a perenidade da sua presença, como para a grandiosidade do poder associado a esta forma de comunicar.
Abordar a importância da imprensa regional passa pelo reconhecimento, que advém, aliás, do respetivo Estatuto legal, de que a imprensa regional desempenha um papel altamente relevante no âmbito territorial a que respeita, mas também na informação e no contributo para a manutenção de laços de autêntica familiaridade entre as gentes locais e as comunidades de emigrantes dispersas pelas partes mais longínquas do mundo.
Comunicar afetos, dar a conhecer a identidade de um povo, manter a ligação às origens é a função primordial da imprensa regional.
Ao papel que lhe cabe no território de onde provém está associado, como à imprensa em geral, também o desempenho da difícil missão de "cão de guarda", razão pela qual a liberdade de imprensa constitui um dos elementos fundamentais da liberdade de expressão, fundamento essencial das sociedades democráticas.
Repositório privilegiado das preocupações da opinião pública local, à imprensa regional deverá ser reconhecida a possibilidade de divulgar, de forma livre, opiniões divergentes, bem como de transmitir informações capazes de suscitar acesa reflexão na comunidade a que se dirige.
Este papel de valorização e expressão das preocupações locais distingue-a dos órgãos de comunicacão de âmbito mais alargado, em regra não interessados na respetiva divulgação.
Por outro lado, elo de ligação profunda entre a comunidade de que é originária e aquelas a que as circunstâncias da vida impuseram um afastamento físico, a imprensa regional assume, igualmente, papel determinante na aproximação e manutenção de laços entre uns e outros, funcionando como veículo de difusão cuja função vai muito além da mera informação.
No cumprimento desta faceta, a imprensa regional contribui, não apenas, para a formação de uma consciência atual acerca da realidade não presenciada, mas ainda para a manutenção de laços de proximidade com as comunidades de origem.
O relevante papel que a imprensa regional desempenha não a absolve dos complexos problemas a que está sujeita.
De acordo com um estudo publicado em 2010 pela ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social, a imprensa regional defronta-se com escasso investimento publicitário e escassas fontes de receitas, bem como com deficit de leitura e reduzido número de assinantes.
Realidades que a empurram para situações de dependência económica indesejáveis, assim se pondo em causa o livre exercício da actividade jornalística que se não compadece com tamanha forma de pressão.
Resultam evidenciadas relações de dependência relativamente a instituições autárquicas, principais, senão únicas, clientes do espaço publicitário, o que fragiliza a autonomia editorial, pondo em causa a publicação de conteúdos, problema que, a jusante acabará por se traduzir na redução do impacto social do órgão de comunicação.
Problemas de hoje com reflexos no amanhã.
A vulnerabilidade perante o poder político e económico limita o livre exercício do jornalismo, inviabilizando o rigor na informação e introduzindo complexos problemas de ética.
O afastamento do público relativamente ao seu jornal local acaba por ser o reflexo dessas situações de dependência, e, concomitantemente, a causa dela: sem vendas, não há receita; sem receita, não há como trabalhar e aperfeiçoar os conteúdos.
Por outro lado, e não menos importante, sem profissionalização das redações dificilmente se poderá almejar adquirir novos públicos e, sem estes, o setor estagnará.
Num tempo em que a imagem é rainha, o aspeto gráfico do jornal constitui outro fator a não desprezar.
À imprensa regional não basta existir. A ela terão que estar associados bons conteúdos - informativos e opinativos -, uma arrumação gráfica convidativa e metódica, um espaço de publicitação dos problemas que afetam a região, um tempo para jovens comunicadores se exprimirem, um campo para a divulgação do que vai acontecendo no espaço regional.
Um jornal local capaz de cumprir estes objectivos ocupará certamente um espaço apelativo, e poderá contribuir para a formação de uma consciência cívica e democrática, e, dessa forma, cumprirá a função constitucional que lhe é atribuída, perpetuando-se para memória futura.
Manuela Fialho
"Repositório privilegiado das preocupações da opinião pública local, à imprensa regional deverá ser reconhecida a possibilidade de divulgar, de forma livre, opiniões divergentes, bem como de transmitir informações capazes de suscitar acesa reflexão na comunidade a que se dirige."