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(Opinião) O Centro nas Margens da Política

                                                    

 

 

                                      Por Carlos Carujo

                                           Projecto de Cidadania "Dar a vez e a voz aos Cidadãos"

 

 

 

1 - O Centro Marginal

 

Algures no tempo, o centro deixou de ser central. E o mesmo se passou em várias cidades. Enfraquecida a função comercial, com a crise do comércio local e os grandes espaços comerciais a substituirem-se-lhe. Diminuída a função administrativa, com novas sedes de poder e a desmaterialização de serviços. Esvaziada a sua função habitacional, com a nova construção nas periferias a empurrar muitas pessoas para fora e com moradores cada vez mais envelhecidos.

 

O poder político contribuiu para este abandono. Em alguns casos pode-se dizer que se deixou o centro entregue a si mesmo e nada se fez para contrariar estas dinâmicas. Em tantos outros, ter-se-á contribuído ativamente para elas. Licenciou-se a aberração, descaracterizou-se o tradicional, submeteu-se o espaço de todos aos interesses de curto prazo de alguns, que preferiam rentabilizar construindo em altura. À política local das “grandes obras” para encher o olho (e tentar ganhar eleições com a “obra feita”) juntou-se um culto do moderno parolo que se vendia a si próprio como “desenvolvimento” e do qual continuamos a pagar o preço.

 

O centro é uma paisagem de abandono e degradação urbana polvilhada de mamarrachos, convivendo o centro esvaziado com o centro suburbanizado, com um pequeno comércio a tentar sobreviver a lutas altamente desiguais, com uma tremenda falta de dinamismo cultural.

 

Nó sem o qual a malha urbana se sente descosida, apesar de tudo o centro urbano não perdeu a sua centralidade no mapa das emoções. Continua um espaço central na memória, na identidade, nos afetos. Se lá, para muitos, é impossível viver e uma dor de alma passear, que fazer?

 

2 - Um Recentramento Exclusor

Diga-se, em abono da verdade, que tem havido recentemente um interesse renovado pela renovação do centro. Tal interesse não será só bondade, nem nostalgia da vitalidade urbana de outrora. Foi a lógica do capital que determinou que o investimento imobiliário escoasse para a suburbanização, com a explosão da construção de má qualidade nas periferias a render muito mais, com as câmaras a ajudar, mudando a tipologia de terrenos (quantas vezes o que era rural passou a urbano com uma assinatura? Quantos milhões se ganharam a comprar barato onde não se podia construir e depois se valorizou esse terreno com uma mudança de plano ou uma exceção ao existente?).

 

No centro ficaram casas de propriedade mais tradicional, com inquilinos antigos protegidos pela lei, o que ditou nuns casos o abandono, noutros até diminuiu os estragos possíveis em tempos em que a proteção patrimonial era menor do que agora. Destruiu-se muito no(s) centro(s) porque rendia fazê-lo. Permaneceu muito sem qualquer intervenção porque não valia o incómodo, não rendia.

 

O regresso do interesse pelo centro acontece devido à diminuição das margens de lucro na construção suburbana, à saturação de mercados, à degradação das casas de má qualidade que duraram pouco, à possibilidade de comprar relativamente barato, investir relativamente pouco e vender bastante caro.

 

Na escala geral, que é diferente da realidade local de Rio Maior, e caindo inevitavelmente em generalizações grosseiras, duas falsas soluções se têm combinado para modelar os espaços internos da cidade aos interesses do capital. Ao primeiro processo chama-se gentrificação. Trata-se da substituição dos moradores que ainda restam por outros mais endinheirados. Acontece à boleia de um discurso modernizante feito de cidades criativas, de indústrias criativas, de pessoas criativas, (hipsters, chamaram-lhe noutras paragens). Muda a cara dos bairros por onde passa, dando um aspecto melhorado ao que estava abandonado mas fá-lo à custa da expulsão das populações que deixam de poder pagar rendas ou são despejadas de onde sempre moraram.

 

Ao segundo processo pode-se chamar turistificação. Se o motor económico do primeiro processo costumam ser os vários negócios contemporâneos da moda que atraem em primeiro lugar uma juventude mais abastada, o motor do segundo é um turismo predador. Morador posto fora, o arrendamento de curta duração ocupa o seu lugar enquanto o mercado do turismo estiver a dar. Se é preciso que o bairro fique preservado e mantenha a mesma cara, isso acontece também porque se transforma num museu sem vida própria ou se tornou uma simulação da sua vida e das suas tradições, uma paródia do que era. Porque o que se preservou foi sobretudo a fachada para turista consumir. No sentido imobiliário e no sentido cultural do termo.

 

Muitas vezes, dependendo das realidades locais e de vários outros factores, os dois combinam-se num só. Sempre, são processos classistas e de exclusão social. Sempre, são justificados com a renovação, com o dinamismo, com o embelezamento. Sempre se lhes soma a invenção de uma marca, de um “conceito” limpo que se sobrepõe à identidade mestiça de que são feitas todas as cidades. Nenhum destes dois pode ser o nosso modelo para resolver a situação do centro de Rio Maior porque mesmo se quiséssemos não conseguíamos e se conseguíssemos não queríamos. Mas é importante saber o que não queremos.

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Praça da República, Anos 50. Fotografia por António Feliciano Júnior. © Colecção Nuno Rocha. Arquivo O Riomaiorense.

"O centro é uma paisagem de abandono e degradação urbana polvilhada de mamarrachos, convivendo o centro esvaziado com o centro suburbanizado, com um pequeno comércio a tentar sobreviver a lutas altamente desiguais, com uma tremenda falta de dinamismo cultural."

 

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