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125 Anos do Jornal O Riomaiorense . Sessão Comemorativa (5)

                                                    

 

 

                                     

 

 

 

Portanto, há aqui uma ligação. O jornalismo local não pode deixar de existir enquanto o homem necessitar de estar informado sobre o mundo, o país, e a sua terra. A TSF foi uma experiência jornalística da gente da minha geração, e a que eu estive ligado no início. Inventou um dos jingles, como nós dizíamos quando trabalhávamos na rádio, um dos jingles mais felizes, mais interessantes que eu conheço. Dizia: “[Por uma boa notícia] vamos ao fim da rua, vamos ao fim do mundo”.

 

Isto é o jornalismo cada vez mais, hoje até no tempo global. Reparem como a TSF dá importância, dá a mesma importância a ir ao fundo da rua e a ir ao fim do mundo. O homem de hoje não pode deixar de saber o que se passa no mundo. Não pode deixar de conhecer os tweets todos os dias escritos pelo Sr. Trump, porque os tweets do Sr. Trump têm uma influência enorme no nosso dia-a-dia, mas não pode deixar de saber também o que é que a Câmara Municipal decidiu sobre a nossa rua, sobre os nossos problemas.

 

Há uma exigência de informação a nível mundial, a nível europeu, a nível nacional e a nível local. E por isso mesmo... e vou-me calar, porque depois tenho aqui duas ou três coisas se por acaso vos interessa sair daqui um grupo que vá reavivar o Riomaiorense - nove sugestões ou conselhos que eu li de um fulano especialista nestas coisas dirigidas a “quem quiser fazer verdadeiro jornalismo local no tempo de hoje”.

 

Mas, antes de me despedir e de me calar, eu gostaria ainda de vos dizer que tenho todos os dias problemas para compreender tantas questões que não consigo compreender certas indiferenças. Não compreendo, para voltar ao Salopek, como é que este homem, duas vezes prémio Pulitzer faz isto, intervém, responde do fim do mundo, de terras da Arábia Saudita, do Monte Arat, responde a alunos da Universidade de Harvard e nunca houve uma notícia, nunca houve uma tentativa de apresentar num telejornal português, num noticiário português, num jornal, de fazer uma entrevista a esse senhor.

 

O desafio maior, eu penso que é o desafio da indiferença, o desafio de pensar que isto é o passado e que o futuro é outra coisa que vai aparecer depois de a gente morrer. Entre o passado e o futuro há o presente, que faz o futuro e que é ou não digno do passado, daquilo que foi feito.

 

E por isso, a única forma, desculpem esta intromissão do afim, a única forma para mim afim de saudar este Riomaiorense que hoje aqui estamos a recordar é fazer do tempo global, o Riomaiorense digital, se calhar também em papel, se calhar também em rádio, se calhar também em televisão, porque afinal já hoje na maior parte dos jornais e na maior parte das televisões e na maior parte das rádios, já não há rádios, nem televisões nem jornais. O jornal da minha prima Manelinha (Manuela Goucha Soares) tem um bocadinho de rádio e tem um bocadinho de televisão. A televisão, a RTP, a SIC, têm um bocadinho de rádio e têm um bocadinho de jornal. A rádio TSF tem um bocadinho de televisão.

 

O jornalismo é uma conversa diária de toda a gente com toda a gente, sendo que na verdade a sociedade se especializou. E o sapateiro é o que faz os sapatos, e o barbeiro é o que faz a barba e etc., etc. E então, nesse contrato social que ao longo do tempo acabou por emergir, surgiu, com a invenção dos caracteres móveis da imprensa, essa função de uns tipos que passavam a recolher a informação porque as pessoas não tinham tempo, ninguém tem tempo de saber tudo.

 

E então há uns fulanos que se organizaram e se tornaram especialistas, se tornaram os funcionários das notícias. O mais importante desse contrato social implícito, que há entre o jornalismo e a sociedade, é o direito que a sociedade dá, ou outorga a um grupo profissional de ele fazer coisas que não são autorizadas aos outros. Entrar, ir às guerras e não ser visto como um inimigo... em princípio... Entrar nos palácios, ir ao Presidente e falar com ele, fazer-lhe perguntas, às vezes e desejavelmente impertinentes. Esse é o grupo profissional. E então a sociedade diz-lhe assim: olha, tu tens o direito de fazer isso, porque nós não podemos ir a todo o lado, e tu só tens duas responsabilidades. A primeira: informa-nos com tempo de a gente se safar, se houver alguma má notícia; a segunda: não nos digas mentiras.

 

Este contrato social extraordinário que tem, pelo menos 150 anos, julgo que a globalização não pode prescindir dele. Pelo contrário, eu acho que é o mais importante. E nessa medida, ao mesmo tempo que as pessoas da minha profissão vão lutar até ao fim para que não acabe o jornalismo global, para que não acabem os New York Times, para que não acabem os Público (já acabou... imaginem... acabou na indiferença geral o Diário de Notícias. Quer dizer, passou... mas eu receio que seja uma antecâmara... mas pronto, seja lá como for), vamos lutar para que, na verdade, a nível global e a nível local nós continuemos a ter direito, quando nos levantamos, a saber o que se passou nas últimas horas e a acreditar naquilo que quem diz, e que tem uma carteira, que está credenciado para dizer, a acreditar que aquilo é verdade.

 

Se conseguirmos estas duas coisas, eu julgo que o jornalismo se salva. Não porque se deva salvar porque é a minha profissão. Mas sim, porque se deve salvar porque os jornalistas, como os filósofos, como os médicos, e como todas as outras profissões, mesmo as mais humildes, são afinal funcionários da humanidade. A função do jornalismo é uma função que tem que ver com a organização social, que tem que ver com todos para lá das diferenças que há. Sobretudo, porque o jornalismo, o único jornalismo que interessa, é aquele que contém em si os diferentes olhares sobre as coisas, que contém em si, humilde até, as narrativas sobre os mesmos acontecimentos, vistas com ângulos diferentes. Porque é o conjunto dos ângulos que dá, afinal, os diferentes ângulos daquilo que nós podemos chamar a verdade.

 

Obrigado.

"O desafio maior, eu penso que é o desafio da indiferença, o desafio de pensar que isto é o passado e que o futuro é outra coisa que vai aparecer depois de a gente morrer. Entre o passado e o futuro há o presente, que faz o futuro e que é ou não digno do passado, daquilo que foi feito. "

"...o jornalismo, o único jornalismo que interessa, é aquele que contém em si os diferentes olhares sobre as coisas, que contém em si, humilde até, as narrativas sobre os mesmos acontecimentos, vistas com ângulos diferentes."

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