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125 Anos do Jornal O Riomaiorense . Sessão Comemorativa (4)

                                                    

 

 

                                     

 

 

MESA REDONDA: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA IMPRENSA REGIONAL . ADELINO GOMES

 

Eu estava a sugerir que se continuasse com memórias, porque eu venho de fora, sou um estrangeiro afim. E na verdade foi assim que o mundo se fez, não é?, com os locais e com aqueles que vieram buscar as mulheres, ou o contrário, e depois formaram outros grupos sociais e as comunidades, os países, etc.

 

A propósito de jornalismo, neste momento há um homem -  aliás no meio da indiferença geral, coisa que eu não compreendo - há um homem que foi duas vezes prémio Pulitzer nos Estados Unidos, chama-se Paul Salopek, e que está a fazer desde 2013, a pé, a viagem que a humanidade fez. Hoje estamos a falar de migrações. A história da humanidade é uma história de migrações. A mais feliz e a mais infeliz. A paz e a guerra. Então, o Paul Salopek, duas vezes prémio Pulitzer, decidiu, preparou, com Universidades Norte-Americanas e com o apoio da National Geographic, uma viagem que é uma reportagem feita à velocidade... afinal, àquela velocidade a que na história do jornalismo se diz que a primeira notícia foi dada: a correr, por um soldado que foi dar aos atenienses a informação mais importante (e isso é a notícia), e o que lhes interessava mais, e a mais próxima do tempo, por isso ele foi a correr, de Maratona até Atenas, chegou lá e disse: “Vencemos”. E caiu morto, pelo esforço.

 

Ora bem, Paul Salopek está a refazer a viagem da humanidade. Partiu da Etiópia - e por isso o projecto dele se chama "Out of Eden", fora do paraíso, para fora do paraíso - e vai até à Terra do Fogo, durante sete anos. Vai evidentemente, e isso tem a ver também com esta coisa que alguns dizem assim: ah!, e agora a internet, ah!, e agora não sei o quê - ele vai a pé, com o instrumento de locomoção e de comunicação mais antigo do mundo, falando com as pessoas, aquelas pessoas que encontra. Por um lado, portanto, vai com a tecnologia do princípio do mundo, mas leva evidentemente um computador, leva evidentemente a possibilidade de entrar em directo em rádios e televisões. Leva evidentemente gravadores. Vai fazendo, portanto, informação, vai pondo os conteúdos daquilo que vai produzindo. Digitem Paul S A L O P E K, Out of Eden, e vão poder acompanhar todos os dias, todos os passos dele. Já está neste momento quase em metade do caminho, ainda lhe falta a outra metade, e é qualquer coisa de extraordinário.

 

Quando estava a ouvir a Sra. Vereadora fiquei muito impressionado, porque o que a Sra. Vereadora fez, foi quase um grito de alma, eu assim entendi, de alguém que estava tão feliz porque estão aqui cinquenta pessoas, o que nos dá também a dimensão, a escala, das coisas que nos podem fazer felizes. Porque depois deu o exemplo das seis pessoas... mas isto é a vida de uma terra, porque isto também acontece nos maiores centros urbanos... e esse grito de alma acho que tem tudo a ver com esta sessão. Eu entendi esta sessão como uma homenagem à história dos homens e das mulheres que durante 125 anos foram lutando contra todas as condições difíceis, e não apenas políticas, todas as condições difíceis que fizeram com que um jornal fosse entrando em agonia e antes de morrer, ou quando quase parecia morto, ressuscitava. 125 anos em que os riomaiorenses conseguiram, apesar de tudo, falar uns para os outros através do mediador que é um meio de comunicação, com as maiores dificuldades mas sempre conseguindo.

 

Então, eu depois de a ouvir, não sendo riomaiorense mas sendo afim, e portanto olhando de outra maneira, do que o estrangeiro completo, olhando com afecto para Rio Maior, mas também com afecto para uma comunidade que, como todas as comunidades, luta por ser viva, por defender os seus interesses, e por estar, ao mesmo tempo, no tempo que habita, em que vive, ligada ao mundo, então, eu pensei assim: é necessário um meio de comunicação. O Riomaiorense, naquilo que o Riomaiorense representa desse impulso, dessa necessidade de dizer aos atenienses: vencemos. Porque isso significa continuarmos a viver, isso significa continuarmos a construir a nossa história.

 

Essa necessidade vai de par com a invenção de novas formas, provavelmente, de comunicação, que fazem com que o espírito do Riomaiorense renasça... eu penso que é um desafio... aquilo que a Sra. Vereadora aqui disse foi um desafio aos homens bons, às mulheres conscientes, aos jovens, para que estejam, para que façam, para que não deixem morrer o espírito, a ideia, o conceito do Riomaiorense enquanto meio de comunicação. E isso tem muita actualidade no tempo de hoje, porque o desafio não é fácil, o desafio é absolutamente difícil.

 

Hoje de manhã, no mail, recebi um convite para uma coisa que vai realizar-se na segunda-feira numa entidade que há ali em Sintra que é o News Museum, um museu das notícias, que foi fundado há cerca de um ano. Vai lá ocorrer, aliás com o teu patrão, Manuela, vai lá ocorrer uma cerimónia que é, pela segunda vez, a entrega de um prémio Fernando de Sousa. Fernando de Sousa foi um jornalista da minha geração. Foi durante muitos anos correspondente da SIC em Bruxelas. Morreu muito cedo, de ataque de coração.

 

Manuela Goucha Soares: Em trabalho.

 

Adelino Gomes: Em trabalho. Era muito considerado por todos nós, e deu nome a um prémio. E amanhã vai ser entregue pela segunda vez o prémio. E eu tive a curiosidade, uma vez que vinha para aqui, de ver quais são as categorias, que géneros jornalísticos é que estão a ser premiados. E fiquei muito feliz por ver lá que o jornalismo regional não só faz parte da categoria em que as pessoas podiam concorrer, como faz parte do grupo de três de onde vai sair aquele que vai ganhar o prémio. É muito interessante isso.

 

Então: a sobrevivência do jornalismo regional ou local é um problema. Como li algures: “o jornalismo está em agonia há décadas, vem a morrer em slow motion”. A pouco e pouco, mas parece que vai morrer. E particularmente isso atinge o jornalismo local. Mas, eu sempre pensei, daquilo que leio, daquilo que vou falando, daquilo que me interessa também na história do jornalismo, que talvez a última coisa, se o jornalismo escrito, mesmo televisivo, que são aqueles que estão mais ameaçados, se o jornalismo morrer nos Estados Unidos, ou entrar mesmo em coma, haverá um tipo de jornalismo que será o último a morrer, que é o local.

 

Ainda hoje, as grandes figuras do jornalismo americano são figuras que começaram no jornalismo local. Ao contrário de nós que queremos logo começar em Lisboa, no Diário de Notícias ou no Expresso, ou no Público, se virem os currículos dos grandes jornalistas americanos, eles têm muito orgulho em dizer que começaram no jornal da terra deles, e depois passaram para o jornal da região deles, e depois passaram para um grande jornal de uma cidade, e depois acabaram talvez no New York Times ou no Washington Post, ou na CNN, ou na CBS.

 

Trouxe aqui coisas que me impressionaram: há um site brasileiro chamado Farol do Jornalismo, que tem um grande interesse por estas questões e que tem uma ligação a uma fonte norte-americana da Fundação Nieman, que publicou há pouco tempo os últimos resultados de um estudo sobre jornalismo local nos Estados Unidos: há cinquenta milhões sem notícias locais de rádio e TV. Bom, nos Estados Unidos, nos últimos dez anos, metade dos jornalistas que trabalhavam no jornalismo local foram despedidos. Quer dizer, estamos a falar de algumas centenas de milhar e que agora são cento e tal mil. Há portanto uma crise tremenda. Há um professor que fez um estudo sobre isso. Há um argumento que toda a gente usa (eu acho que se todos nós aqui começássemos a discutir, haveria sempre alguém que o levantaria, porque é um argumento pertinente), e que diz assim: “está bem, mas porque é que é necessário haver um jornal ou uma rádio local ou uma pequena televisão, se as pessoas agora podem ver as televisões e os jornais e as rádios a nível nacional? Quer dizer, não é preciso. Antes as pessoas precisavam, mas agora não.” E, esse professor brasileiro diz assim: “É um exagero esperar que a Globo no Rio de Janeiro, ou mesmo uma afiliada da Globo em Manaus, por exemplo, vai cobrir a votação na Câmara dos Vereadores em Atalaia do Norte.”

 

Quer dizer, e isso é verdade também para Portugal. Há notícias que são específicas da terra que nós habitamos. Há problemas, há discussões, há assuntos que são tão importantes como os assuntos mundiais. Não vamos dizer que são importantes a nível mundial, mas são ao mesmo tempo importantes. Nós nunca, por mais que nos interessemos pelo que se passa no mundo, nunca deixamos de ser afectados por aquilo que se passa na nossa casa. Quer dizer: todas as histórias do mundo, as mais belas, as histórias de Romeu e Julieta ou Pedro e Inês, são histórias que nos acompanharam ao longo da nossa história, mas a história dos nossos avós, dos nossos pais, mesmo histórias de amor, a história das nossas relações com os nossos filhos, são tão importantes. E no dia-a-dia são mais importantes, são elas que determinam tudo isso.

(Continua na página seguinte)

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Adelino Gomes durante a sessão comemorativa dos 125 Anos do Jornal O Riomaiorense. © Fotografia gentilmente cedida pelo jornal Região de Rio Maior.

"...uma homenagem à história dos homens e das mulheres que durante 125 anos foram lutando contra todas as condições difíceis, e não apenas políticas, todas as condições difíceis que fizeram com que um jornal fosse entrando em agonia e antes de morrer, ou quando quase parecia morto, ressuscitava. "

Adelino Gomes

 

"Há notícias que são específicas da terra que nós habitamos. Há problemas, há discussões, há assuntos que são tão importantes como os assuntos mundiais. Não vamos dizer que são importantes a nível mundial, mas são ao mesmo tempo importantes. "

 

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