125 Anos do Jornal O Riomaiorense . Sessão Comemorativa (3)
MESA REDONDA: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA IMPRENSA REGIONAL . MANUELA GOUCHA SOARES
Quero começar por dizer que fiquei muito contente por se lembrarem de me desafiar para participar na celebração dos 125 anos do jornal O Riomaiorense. Sendo jornalista de profissão é meu dever informar que utilizei este jornal como uma das fontes essenciais para a preparação de uma reportagem que fiz há cerca de dois anos - com texto e vídeo - com um colega do Expresso, jornal onde trabalho há quase três décadas.
Não nasci nem vivi em Rio Maior mas considero-me filha e herdeira da terra, pelo lado do meu Pai que aqui nasceu, e de toda a sua família [família Goucha e a família Soares são daqui].
Sendo jornalista, quero começar por falar da importância que os jornais têm na vida das comunidades, dos países, das sociedades; e também na defesa da democracia e na preservação da memória. Há cerca de quinze meses, fiz um trabalho multimédia [para o Expresso] sobre as visões de Asseiceira, e uma das fontes de consulta que utilizei foram os arquivos deste jornal; aproveito o facto de estar aqui para voltar a agradecer a colaboração da Biblioteca de Rio Maior, onde estamos.
As visões da Asseiceira moblizaram a atenção da imprensa nacional na década de 50 do século passado. Encontramos elementos sobre essas visões ou aparições na imprensa em muitos jornais [muitos já não existem], mas o jornal local de Rio Maior foi uma fonte importante para o trabalho publicado no site do Expresso [www.expresso.pt], e que tem uma parte em texto e um documentário vídeo que dura perto de meia-hora, e que se intitula "As Visões que o Estado Novo Silenciou". Se alguém depois disto o quiser ver, basta procurar no Google...
O fim do papel e os custos de produção
Penso que o jornal de Rio Maior deixou de ser publicado em papel no princípio de 2018; este fenómeno tem atingido muitos jornais locais, regionais e nacionais, em todo o mundo. Não sei se o [suporte] papel voltará ou não. É um fenómeno que tem a ver com custos de produção; ao longo da história são muitas as vezes em que os jornais deixaram de ser publicados por causa dos custos de produção. No écrã atrás podem ver um artigo que o Expresso publicou e que recorda que este problema já existia há um século.
Há cerca de cem anos, o Diário de Notícias fez esta manchete: "Guardem os jornais depois de lidos"; a crise que atingia a imprensa era de tal forma preocupante que o Diário de Notícias decidiu recomprar os jornais, para compensar os leitores pela subida do preço que foi brutal no período da Grande Guerra; vivia-se uma época em que escasseavam todos os bens, nomeadamente papel e outros materiais necessários à impressão de jornais. Ao contrário do que acontece atualmente, os jornais garantiam o sustento de uma enorme rede de pessoas, que ia dos ardinas ao grande número de trabalhadores do próprio jornal.
Os jornais atuais têm redacções mais reduzidas; nos últimos dez a quinze anos, temos assisitido a uma progressiva redução das redações... Acredito que desde o aparecimento da imprensa em papel com Gutenberg, não se vivia uma fase de transição tão acelerada.
Esta sessão é para evocarmos O Riomaiorense, mas penso que vale a pena falar sobre o que se passa lá fora: tenho aqui [para vos mostrar] o Diário de Notícias de 30 de Junho deste ano, que é o último número da edição regular em papel, ou seja da edição impressa diariamente. Daqui para a frente só haverá edição em papel ao domingo. E também tenho um artigo publicado no "i", de 5 de Julho, onde - a propósito do fim do Diário de Notícias em papel – é feito um apanhado sobre o estado da imprensa [em papel], recordando uma série de jornais centenários. Temos esta reprodução do Açoriano Oriental, que é o jornal diário mais antigo que existe em Portugal, e o Aurora do Lima, que ainda se continua a publicar. Neste momento é a publicação mais antiga do país.
O Riomaiorense de parabéns
Quero dar os parabéns aos responsáveis de O Riomaiorense, pelo trabalho de digitalização e de facilitação do acesso aos números antigos do jornal; está tudo digitalizado e online, e isto é importante para estudantes, para os leitores, investigadores, para todas as pessoas que querem ter acesso ao jornal; só precisam de ir ao site e procurar. Está lá toda a informação, as edições antigas, quem foram os Directores, a cronologia do aparecimento do jornal que surgiu a 2 de Julho de 1893. Tudo online.
Por razões familiares, a pessoa de que mais me lembro de ouvir falar foi o terceiro Director deste jornal – que integou o núcleo fundador. Falo de António Custódio dos Santos – cuja mulher era prima de alguns dos meus primos Goucha que vivem em Rio Maior – e que era muito amigo do meu avô Ernâni, foi padrinho do meu Pai, apesar do meu Pai não ter sido baptizado em criança... mas foi ele a testemunha de registo civil e o padrinho de coração.
Acidentalmente e sem saber conheci uma neta de António Custódio dos Santos em 1989, no Rio de Janeiro; ACS foi para o Brasil em 1926 ou 1927, e o arquiteto Nuno Rocha é autor de uma tese de mestrado sobre ele.
Quando estava a preparar a conversa que iria ter convosco, encontrei uma história que poderá ser trabalhada nas escolas de Rio Maior, se alguém quiser pegar nisto... vale a pena. É uma história fabulosa sobre o que aconteceu nesta terra, nessa época; ao longo de várias edições de O Riomaiorense relata-se a história de um professor que aqui estava colocado – o Padre Joaquim Botelho. Acontece que Rio Maior era uma terra fortemente republicana nesses anos, anti-clerical, e provavelmente a vida do padre não lhe andaria a correr bem. Ele era lá do Norte e decidiu reformar-se, deixar o ensino e o colégio, e queria ficar em condições de se poder aposentar. O padre Joaquim Botelho resolveu invocar uma situação de doença, alegando ser diabético, razão pela qual não poderia continuar a dar aulas.
Pela leitura dos jornais de há cem anos, ficamos a saber que o esse padre falsificou elementos para se aposentar; as análises que utilizou para poder invocar a situação de doença diabética não eram falsas – os resultados eram verdadeiros – mas a urina que o padre utilizou para mandar fazer as ditas análises não era a dele, mas sim a de alguém a quem ele pediu ou pagou e que era de facto uma pessoa com diabetes. Nesta história que O Riomaiorense tão bem acompanhou temos um processo de fraude; é uma história fabulosa que alguém da terra podia investigar melhor...
E, como nós combinámos que isto iria ser uma mesa redonda, eu já deixei algumas deixas e passo a palavra a um dos oradores seguintes, ao Adelino Gomes que obviamente é jornalista, porque um jornalista é sempre um jornalista, mesmo depois de se reformar. Antes quero no entanto lembrar que o principal objectivo das pessoas que há cem anos retomaram a segunda série de O Riomaiorense foi defender os interesses da sua terra. Vivia-se então um período de consolidação do novo regime – a República - e entendo esses interesses como a defesa da democracia, que provavelmente seria verbalizada com outro termo, do bem estar social, e a melhoria das condições de vida de todos. Os princípios que os nortearam há cerca de um século continuam a ser profundamente actuais e contemporâneos.
Apesar da crise e da mudança que está a ser vivida pela imprensa do mundo inteiro, não creio que as pessoas/os leitores, se tenham deixado de interessar pelas notícias, nem pelo jornalismo.
Manuela Goucha Soares durante a sessão comemorativa dos 125 Anos do Jornal O Riomaiorense. © Fotografia gentilmente cedida pelo jornal Região de Rio Maior.
"Sendo jornalista, quero começar por falar da importância que os jornais têm na vida das comunidades, dos países, das sociedades; e também na defesa da democracia e na preservação da memória. "
Manuela Goucha Soares
"(...) está tudo digitalizado e online, e isto é importante para estudantes, para os leitores, investigadores, para todas as pessoas que querem ter acesso ao jornal. "
"(...) o principal objectivo das pessoas que há cem anos retomaram a segunda série do Riomaiorense foi defender os interesses da sua terra. (...) Os princípios que os nortearam há cerca de um século continuam a ser profundamente actuais e contemporâneos"