top of page

A Vida é um Rio

Ao olhar do Dr. Francisco Cândido Barbosa . 25/7/1908 - 7/7/1965 (1)

                                                    

 

 

                                        

                                        Por Fernanda Barbosa

                                             

 

 

Tendo passado parte da minha infância e adolescência em Santarém, conhecia-o de nome. O seu prestígio era grande!

 

Pessoalmente conheci-o por volta dos meus 13 anos. Caíra-me sobre um pé um pesado tapete de ferro, o que me provocara uma lesão numa unha. Tinha que ser tirada.

​Um dia lá fui ao Hospital da Misericórdia, conhecido por Hospital Velho.

 

Subi o elevador. Dirigi-me à sala dos médicos, à esquerda.

 

Um senhor alto, imponente, perguntou-me "Então, isso dói?" E eu, paralisada de medo, mal conseguia responder. "Mostra lá isso. Ora, não é nada." Dito isto com um sorriso acompanhado por uma festa na cabeça, lá me fui acalmando.

 

Não imaginava, então, que, um dia, iria fazer parte daquela grande família, porque, entre irmão, tios, primos e amigos a entrar e a sair, era uma casa cheia de gente.

 

Passaram-se anos. Casei e vim para Rio Maior.

 

Fiquei então a conhecer o seu percurso académico e profissional.

 

Estudos secundários primeiro em Leiria, em seguida Santarém.

Entrou na Universidade de Coimbra, onde frequentou os três primeiros anos. Aí, a sua vida boémia de estudante levou-o a "apaixonar-se" pela guitarra, tendo acompanhando o famoso Artur Paredes. Terminou o curso em Lisboa, com alta classificação.

Iniciou a sua vida de médico nos Hospitais Civis de Lisboa, tendo sido assistente da Faculdade de Medicina.

Mas a sua TERRA chamava-o! Regressou a Rio Maior, abandonando um futuro promissor.

Chegada há pouco tempo, o meu sogro convidou-me para um passeio na zona das Fráguas. 

No regresso o sol já estava a pôr-se. O céu escuro, dum azul acinzentado, pintalgado dum vermelho quente, cor de fogo. O sol uma grande bola alaranjada.

E ele: "Ó Fernanda, há algum pôr-do-sol mais belo do que o desta minha terra?"

Nestas simples palavras está latente o amor que sempre o ligou a Rio Maior onde, enquanto criança, brincava na Praça do Comércio, uma praça onde os gatos dormiam ao sol. Aí era o seu mundo de menino, aí construiu os seus sonhos. Brincava à bola, à apanhada, ao pião e a tantas coisas mais, como mais tarde fizeram os seus filhos e netos, estes que, infelizmente, não chegou a conhecer.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Era um homem alto, relativamente corpulento, majestoso, com aparência de estrela de cinema, vibrante de vida e energia.

Era um homem comum. Não era pretensioso, nem pedante. Requintado, mas simples. O seu luxo era o seu carro, um "boca de sapo" preto, e os seus livros, pois era um leitor compulsivo.

Sempre o mesmo: entre os seus pares, os seus amigos, ou simplesmente entre os "batedores" de caça, um dos seus passatempos. Com estes vi-o partilhar uma febra ou uma sardinha em cima duma fatia de pão.

Homem culto, era um exemplo brilhante de contador de histórias. Conversador excelente, os seus encontros com os amigos, no antigo Café União, funcionavam como uma tertúlia. Os mais novos bebiam cada palavra.

Discutia qualquer tema, Filosofia e Literatura frequentemente. Democrata convicto, a Política não podia faltar.

Fazia com que os outros acreditassem que numa vila pequena, quase sem história, um pouco inculta, sem escolas secundárias, com uma sociedade predominantemente rural, era possível ser-se instruído.

 

Conseguia ser simultaneamente intimante e benevolente. Dum humor delicado.

 

(continua na página seguinte)

 

Fernanda Barbosa.jpg
Praça_do_Comércio.jpg
Scan 33.jpg

Figura 1 - Dr. Francisco Cândido Barbosa, Anos 50. © Colecção Dra. Fernanda Barbosa.

Scan 43_01.jpg

Figura 2 - O Dr. Francisco Cândido Barbosa, enquanto jovem. Anos 10. © Colecção Dra. Fernanda Barbosa.

Figura 3 - A Praça do Comércio nos anos 60. © Fotografia Luciano Rodrigues. Colecção Dra. Fernanda Barbosa.

"Fazia com que os outros acreditassem que numa vila pequena, quase sem história, um pouco inculta, sem escolas secundárias, com uma sociedade predominantemente rural, era possível ser-se instruído."

 

bottom of page