Alexandre Laureano Santos
Algumas notas biográficas relativas a Rio Maior (4)
OBRAS:
Libreto da opereta “E o sonho foi realidade...”, com música de Alves Coelho Filho e Joaquim Dâmaso Dias.
Leis e decretos aplicáveis na vida comercial. Alexandre Laureano Santos e Rogério A. Clemente.
Numerosos artigos e poemas dispersos pelos jornais “Concelho de Rio Maior” e “Riomaiorense”, dos quais se encontram exemplares na Biblioteca de Rio Maior.
POEMAS:
Há muitos, muitos anos: junto ao rio
Há muitos, muitos anos: Junto ao rio,
Só dois casebres, mas de boa gente.
A vida chã e simples. Docemente,
Do inverno triste se passava ao estio.
O Pão e o Vinho. E as velhas oliveiras.
Fartura mansa numa paz bendita!
Um lindo céu azul. Calma infinita
Nos campos, pelas vinhas, pelas leiras...
Então, ano por ano, mês a mês,
"Aquilo" foi crescendo. E, depois,
Os dois casebres já não eram dois,
E logo foram muito mais que três!
A Aldeia foi crescendo... Outros ninhos,
Casas brancas, na estrada, sempre a fio...
Deixou a aldeia o seu berço - o rio,
E foi crescendo por novos caminhos!
Ao sol glorioso, enfim, certa manhã,
Por milagre de crença e de certeza,
Seu traje secular de camponesa
Ela despiu e foi Vila louçã!
E a Vila foi crescendo... Com amor.
Do seio tira o Pão e o Vinho e o Sal...
E à luz crua do sol de Portugal,
Os pinhais crescem na paz do Senhor...
É nosso, é nossa terra, este rincão!
Mais que as outras... De todas a melhor...
Por ser pequena, sendo ela a "maior",
Cabe inteirinha em nosso coração!
[1936]
Vinho branco e tinto
(Letra de opereta)
Tu és o pomo vedado
Do eden da minha vida
És a visão do passado
Ao meu porvir transmitida.
Tu és a esbelta palmeira
Do meu deserto viver
És a sombra feiticeira
Me convida a adormecer.
Tu és toda a minha vida
És tudo aquilo que eu sinto
És a minha visão querida
És o vinho branco e tinto
[Sem título]
Tu fizeste uma chumbada
E saiu-te uma vassoura.
Ficaste muito agastada
Quem querias tu ó doutora?
A chama do passado
De fé heróica num clarão de glória
Desfazendo as algemas que partiu
Velha nobreza o golpe despediu
De imorredoira e vívida memória.
Quebraram-se os grilhões e ressurgiu
A alva imortal de um dia de vitória
Cravando um marco a dividir a história
A Pátria, nunca morta, ressurgiu.
Almas em flor sedentas de beleza
Nós te juramos num imenso brado
Servir-te e amar-te qual velha nobreza.
De novo, ó Portugal ressuscitado,
Na fé da mocidade portuguesa
Tu encontraste a chama do passado.
[1948?]
Este meu querer (chia a nora)
Este meu querer
Que não queres ver
Só vem aos olhos meus
Quando a cantar
Eu posso olhar
Os olhos teus.
Se toda a vida
Ficar esquecida
Sem nada esperar
Pedirei com fé sentida
Outra vida para te amar!
Quando um bebé sorri
Da urbe imensa
Evola-se estranho anseio
De vida e movimento.
Passa na rua gente que se apressa,
Gente que ao seu lar regressa,
A faina já suspensa...
Cansaço, receio,
Alegria ou tormento...
A tarde cai. Em plena primavera
Ligeira brisa corre pelo ar.
Na casa em frente alguém bate à porta,
espera
E uma varina passa a apregoar.
De quando em quando assoma,
muito ao longe,
Um claro e alegre vulto;
Num rápido tumulto,
Aproxima-se, ruge, passa e foge,
mais adiante.
Fica no ar suspensa, qual aparição
A cor, tão amarela, do gigante
sem alma
nem coração.
E a tarde, calma, permanece calma.
Meu filho sabe dar duas passadas
incertas, mal dadas...
Não tem um ano ainda,
E têm graça infinda
Seus passos hesitantes,
Incertos, titubeantes,
sem poder
Guia, mão carinhosa, dispensar...
Menos de um ano de idade,
Mas tem personalidade!
Sabe querer e desejar...
São tentações que os olhos seus prenderam
As grades da varanda, em que eles deram!
E a sua pequenina mão rosada,
Numa súplica muda e apressada,
Acena para a minha: “Anda!”,
E vamos para as grades da varanda.
Ele, então, sisudo, olha a rua extensa,
Repara nos que passam, apressados,
Na altura em que se encontra,
coisa imensa
Para os olhitos seus maravilhados...
Tão direitinhos,
Carris polidos...
Dois irmãozinhos,
Muito amiguinhos,
E muito unidos!
Amarelo, amarelo,
Que brinquedo tão belo
Vem ao longe a surgir?
O carro passa a rugir
Treme a casa e a varanda
E logo foge e desanda...
E o ar
A rodopiar
Não pára e também anda...
Grave, sério, sisudo,
O pequenino vê, repara em tudo.
Seu olhar de estranho encanto
Volve para mim, no entretanto;
E a sua boca de rosa
Abre-se num sorriso, ouro de lei!
Amarelo, amarelinho,
Coisa rica e tão formosa,
Tão veloz e tão vaidosa,
Que faz rir o meu filhinho!
E, fugidiamente, então pensei:
Teria Deus criado
Esta cidade imensa,
A sua vida tão intensa,
Gente que passa,
Graça e desgraça,
Carros e trilho,
Só para que, naquela tarde,
Como eu disse
Sorrisse
O meu filho?
[Porto, Primavera de 1942]