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(Entrevista) MINEIROS de Rio Maior (1)

 

Tendo como objectivo o registo da história oral da antiga comunidade mineira de Rio Maior, foi criada no seio da EICEL1920, Associação para a Defesa do Património, uma Comissão de antigos funcionários da Empresa Industrial, Carbonífera e Electrotécnica, Limitada, concessionária do Couto Mineiro do Espadanal.

Neste número de O Riomaiorense revelamos uma entrevista inédita realizada em Dezembro de 2012 com alguns membros desta Comissão. Durante uma tarde, tivemos o privilégio de participar numa animada conversa com José Félix Gomes, Alcino Piedade Marques, João Severino Inácio, Manuel Maria Palminha, Miguel Barbosa da Palma e Marcelino Pedro Machado. Um diálogo cruzado com seis protagonistas do período mineiro riomaiorense no qual foram recuperaradas memórias das origens familiares e da integração no concelho de Rio Maior, das funções desempenhadas na EICEL e do reenquadramento profissional após o encerramento das minas, terminando com a exposição de perspectivas pessoais sobre o presente e o futuro do património mineiro que subsiste nas margens da cidade de Rio Maior.

 

A passagem inexorável do tempo privou-nos recentemente da companhia de João Severino Inácio e de José Félix Gomes. A publicação que se segue é dedicada à sua memória.



 

1 - Origens familiares e integração no concelho de Rio Maior                        

 

 

Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Quais as origens familiares e qual o motivo da fixação de residência no concelho de Rio Maior?

 

 

 

José Gomes: Eu vim para Rio Maior por estas circunstâncias: Tinha dez anos... tinha de ir para onde o meu pai quisesse, não é? Ele era um homem que gostava muito da agricultura e tinha um irmão no Pisão, nas Abuxanas, casado com uma mulher que tinha uma parte da Quinta do Pisão.

O irmão dele era sapateiro. Tinha aqui, em Rio Maior, uma casa de sapataria, e andou a iludi-lo para vir para cá. Foi uma asneira que ele fez, porque tinha lá (em Alguber) tanto terreno, mas veio para aqui...

Depois estivemos por cá até acabar o rendimento. Ele fez um rendimento com o irmão, não me lembro... de nove ou dez anos... e depois quis ir-se embora, e eu disse-lhe:

- Agora você vai sozinho, porque eu já cá fico.

Já namorava, já tinha conhecimentos aqui com este pessoal todo e gostava de aqui estar. E foi por essa razão que eu cá fiquei, até hoje.

 

Nuno Rocha/ O Riomaiorense: A família do Sr. José Gomes não fixou residência em Rio Maior para trabalhar na mina.



José Gomes: Não. Quem foi trabalhar na mina fui só eu. Vim para aqui trabalhar quando era miúdo, para as cerâmicas. Andei na cerâmica dos Ferreiras. Tinha onze anos quando para lá fui. Depois, o António Rosa, que era encarregado de outra cerâmica, que era do Constantino, foi arranjar pessoal para trabalhar com ele.

A gente trabalhava na cerâmica dos Ferreiras, eu e mais uma quantidade de pessoal das Abuxanas, de Vale de Óbidos, de Rio Maior, e ele foi lá arranjar pessoal para ir para a cerâmica do Constantino. Fui para ali com catorze anos e andei lá até aos dezasseis, dezassete anos, até ela acabar. Foi o meu primeiro trabalho.

 

Alcino Marques: O meu pai trabalhou nas Minas de S. Domingos. Depois chateou-se e foi fazer carvão, que era a especialidade dele... e passar contrabando para Espanha... Até que foi preso e esteve lá uma temporada.

Apareceu um carabineiro... tiraram-lhe para lá os olhos... cegaram-no.  Culparam o meu pai e um grupo que andava com ele. Mas foi mentira. Não foram eles. O carabineiro é que era muito ruim... era o Zacarias... O gajo, quando lá apanhava os portugueses, tirava-lhes as coisas e arreava-lhes. Um dia apareceu atado a uma árvore e cego... tiraram-lhe os olhos.

O meu pai foi caçado uma noite e foi preso para Paimogo. Ficou lá preso e depois foi afiançado por um senhor que era o padrinho da gente quase toda... era Capitão do Exército. Afiançou-o, mas ele tinha que regressar todas as noites à cadeia.

Mais tarde, esse Capitão recebeu uma carta de Espanha a dizer que já podia levantar a fiança, porque o homem ia ser transferido para Valverde, que é uma terra no interior espanhol, para ser julgado. O Capitão, meu padrinho, disse à minha mãe:

- Vais lá dizer ao compadre que ele vai ser transferido para o interior de Espanha para ser julgado.

Ora, o meu pai era um homem assim... não era muito alto, mas era um homem com muitas forças. E então, os espanhóis gostavam muito de tabaco... O forte deles era o tabaco, e o carcereiro estava sempre a pedir tabaco. Então o meu pai:

- Toma um cigarro...

O gajo agarra o tabaco... o meu pai joga-lhe as unhas e prendeu-o na cela onde estava. Depois disse para o outro que estava preso com ele: - Queres ir ou queres ficar? E piraram-se.

Então, o meu pai às três da manhã passa pelas Minas de São Domingos e diz à gente que não ficava lá porque iam buscá-lo.

Veio parar aqui a Rio Maior, e passado um tempo viemos todos. Veio este senhor também no mesmo dia (João Severino) e outro, o Manuel do talho.

As mulheres depois encontraram-se na carreira, antes de chegar a Beja:

- Então ó comadre, para onde é que vai?

- Olhe, vou para uma terra que é Rio Maior.

- Então e você?

- Vou para uma terra que é Rio Maior.

Vinha a mãe dele (João Severino), vinha a minha mãe, e vinha a mãe do Manuel do talho. E então depois juntámo-nos aqui todos, claro. O meu pai foi para a mina e aguentou-se ali até ela trabalhar.

 

João Severino: Pois, somos ali de perto. S. Domingos é a minha origem. O meu avô era guarda fiscal, de uma parte, e o outro avô transportava os ingleses de charrete das Minas de S. Domingos para o barco. O meu pai era filho único e a minha mãe também era filha única. Puseram um comércio ao meu pai. Uma taberna e uma lojazita. Mas, se calhar não tinha vocação para aquilo e o negócio foi-se abaixo.

Depois o meu pai... fazia searas de trigo e foi trabalhar para as Minas de S. Domingos.

A Mina de S. Domingos umas vezes metia pessoal, outras vezes despedia. Entretanto dá-se um  despedimento nas minas e apareceu-lhe um contrato quando começaram aqui a fazer a linha do comboio do Setil para Rio Maior. E então o meu pai veio trabalhar para a linha, mais o meu irmão. Vieram para a linha até o comboio chegar a Rio Maior. E o meu pai ficou aqui a trabalhar na mina. Foram trabalhar para a mina do giz. Entretanto eu vim com eles, mais a minha mãe, e o meu pai pediu trabalho para mim na mina. Fui trabalhar aos treze anos para a mina do giz, que também fazia parte da EICEL.

Trabalhei na mina do giz até ser maior de idade, e depois fui para a mina (do Espadanal), para o fundo da mina. Andei a trabalhar com a grazine... aquela que está ali (na fotografia)... Depois vim trabalhar para o guincho. Mais tarde começaram a fazer a fábrica e praticamente a mina parou. Eram só aí umas vinte e tal pessoas que trabalhavam na construção da fábrica. Viemos então para a fábrica, para ajudantes dos alemães, para montar aquilo tudo.



Manuel Palminha: Eu vim das Minas de Santa Susana para Rio Maior. Vim no comboio até Santarém. De Santarém apanhei uma boleia numa camioneta de carvão, que andava a acartar carvão para Santarém. Já cá estavam a minha mãe e os meus irmãos. O meu pai ficou no Alentejo ainda. Ficou nas minas. O meu pai era aguadeiro. Só tinha uma perna e trabalhava com dois burros a acartar água. Depois veio para Rio Maior também, ter com a gente e foi trabalhar para a mina a descascar madeira para ir para o fundo. Aguentou-se na descasca da madeira um tempo e depois teve que se ir embora porque não aguentava. Só tinha uma perna... não aguentava. Depois deixou de trabalhar.

A minha mãe trabalhava no cais, a picar carvão. Eu, aos nove anos, tive de deixar a escola e de trabalhar. Fui trabalhar para a fábrica do Constantino, tirar tijolo e telha, até aos treze anos. Aos treze anos fui para a mina. Fui trabalhar para ajudante de electricista, com o Sr. Costa. Trabalhei lá quatro anos. Aos dezassete anos fui para a mina do giz. Na mina do giz estive um ano e tal a trabalhar. Depois fui transferido para o fundo da mina.

Andei lá no fundo da mina a tirar carvão e depois fui para bombeiro, trabalhar com bombas.

 

Miguel da Palma: Eu fiquei sem pai aos sete anos. No lugar de ir para a escola tive que ir trabalhar. (Eram quatro filhos), um de nove anos, eu de sete, a minha irmã com cinco e uma com um ano. Aquilo era morrer de fome! Naquela altura... O meu pai morreu tuberculoso, com falta de alimentos e muito trabalho.

Cheguei aos dezanove anos... fazia sementeiras de trigo e essas coisas todas... agora chama-se míldio... naquele tempo era alforra. Trabalhávamos a terra três vezes e chegava-se ao fim do ano era só palha e não trigo... falia tudo.

Aos dezanove anos estava tão farto daquilo, pensei agarrar numa saca... até uma saca rota... nem era uma saca como devia ser... com umas calças lá dentro e uma camisa. Arranco mais um colega... nunca tínhamos saído da terra, nem um nem outro sabia ler. A primeira paragem foi Mértola... a pé! Para nos darem boleia em cima de uma camioneta tivemos de carregar a camioneta. A gente pesava cinquenta quilos e os sacos já pesavam oitenta. Para deixarem a gente ir em cima de uma camioneta... Fomos para Beja.

Trabalhámos uma semana em Beja, arranjámos dinheirinho... Lisboa. Chegámos ao Terreiro do Paço, dois parvalhões sem saber para onde é que havíamos de ir. Encontrámos um marinheiro que era lá da zona e diz ele: - Aqui onde há muito trabalho é em Benfica. Benfica... aquilo era quintas. Hoje é uma cidade, mas aquilo era só quintas. Fui para lá trabalhar.

Tinha um primo no quartel de Engenharia 1... Ao fim de cinco dias dirigi-me a ele. Levou-me a um tio que eu tinha em Campo de Ourique. O meu tio arranjou-me um quartinho e ele, o João, foi para a Rua das Amoreiras, viver à moda dos galegos. Arranjavam uma taberna em Lisboa e faziam um quintal. Dentro do quintal punham umas barraquinhas e exploravam a malta de toda a maneira. Quer dizer... o que não pagavam de renda, deixavam na taberna.

Dali vim-me embora. Não quis estar em Lisboa, que eu era do campo, não era de Lisboa. Fui sempre agricultor. Viemos para uma vindima para o Cartaxo. Chegámos ao Cartaxo, encontramos um maltês que andava também à procura de trabalho com uma saca às costas. Diz ele:

- É pá, as vindimas daqui a quinze dias começam.

- Então e que é que a gente faz agora?

Nessa altura já trazia uma malinha, já parecia um diplomata, com uma malinha de mão e tal... vim com uma saca e de Lisboa já trazia uma malinha!

Chegámos ao Cartaxo, as vindimas só começavam dali a quinze dias e eu disse:

- A gente não pode estar aqui. Ou temos que ir para Lisboa, ou temos de seguir!

Ele tinha aqui um primo que era o Salvador. Estava na rodoviária. Era bagageiro.

- Olha, o meu primo vai a Rio Maior. Vamos para Rio Maior!

Cheguei a Rio Maior. Andei aqui a trabalhar nos areeiros. Dos areeiros ainda fui fazer umas vindimas e depois é que fui para a mina.



Marcelino Machado: Eu nasci na Benedita. Aos dois anos trouxeram-me para a Fonte da Bica. Cresci ali na Fonte da Bica até aos dezassete anos, na agricultura. No Verão, salineiro. Aos dezassete anos vim para a mina, trabalhar para a fábrica dos briquetes, já no acabamento. Assim que a fábrica ficou pronta, já tinha dezoito anos... fundo da mina.



 

 

José Félix Gomes (1934-2015). Natural da freguesia de Alguber, concelho de Cadaval.

 

© Fernando Penim Redondo, 18 de Junho de 2014.

Alcino Piedade Marques (1935). Natural da freguesia de Corte do Pinto, concelho de Mértola.

 

© Fernando Penim Redondo, 18 de Junho de 2014.

João Severino Inácio (1932-2014). Natural da freguesia de Santana de Cambas, concelho de Mértola.

 

© Fernando Penim Redondo, 18 de Junho de 2014.

Manuel Maria Palminha (1935). Natural da freguesia de Santa Susana, concelho de Alcácer do Sal.

 

© Fernando Penim Redondo, 18 de Junho de 2014.

Miguel Barbosa da Palma (1936). Natural da freguesia de Santana de Cambas, concelho de Mértola.

 

© Fernando Penim Redondo, 18 de Junho de 2014.

Marcelino Pedro Machado (1936). Natural da freguesia de Benedita, concelho de Alcobaça.

 

© Fernando Penim Redondo, 18 de Junho de 2014.

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