(Entrevista) MINEIROS de Rio Maior (4)
Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Comparativamente a outras actividades naquela época, o trabalho na mina era bem ou mal pago?
José Gomes: Eu não posso dizer que não era bem pago. A gente nas vagonas, quando acabasse o turno, tirava um ordenado razoável, um ordenado bom. Agora, o ordenado que ganhavam durante o dia, os que andassem à jorna, era pouco: 19$20.
Miguel da Palma: Era 17$50.
José Gomes: Depois era 19$20 e havia a “prima”, um prémio de 0$25.
Alcino Marques: Se perdessem um dia, perdiam a “prima”.
João Severino: A “prima”, davam a toda a gente. Não era um prémio de produtividade.
Marcelino Machado: Se faltassem um dia, era tirado.
João Severino: Tirasse muito, tirasse pouco, os 18$00 pagavam sempre a toda a gente. Depois, havia o tal trabalho de empreitada. Quantos mais metros cortasse, mais ganhava.
José Gomes: A “prima” era para o pessoal não tirar dias. Se tirasse um dia, perdia a “prima”. A “prima” era para isso.
Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Como descrevem as condições de assistência médica e social da empresa? Tiveram acidentes de trabalho enquanto funcionários da EICEL?
José Gomes: Naquele tempo, cá não havia ninguém assim. Tínhamos médicos e enfermeiros. Eu uma vez aleijei-me e fui logo assistido. Rebentou-se-me uma veia enquanto andava a trabalhar, com o esforço de empurrar as vagonas. Fui para Santarém, fui laqueado e não paguei nada. Tive assistência médica. Portanto, a mina, nesse tempo, era boa. Cá não havia nada igual.
João Severino: Eu tive um problema de saúde grave num pulmão e, de facto, fui bem assistido. Estava lá um enfermeiro, o Rogério Soares Louro, que era um grande amigo meu. Foi um grande jogador de futebol. Era irmão do célebre Pepe.
José Gomes: O jogador do Belenenses.
José Gomes: Recordo-me de um acidente que se deu mesmo ao pé de mim. Um homem que andava a fazer uma desmonta, um mineiro. Como é que ele se chamava?
Miguel da Palma: O Vitorino.
José Gomes: Andava a fazer uma desmonta e eu estava lá com a vagona, à espera para carregar o carvão. Ele vinha a desmontar o carvão para aquilo cair. E tanto caiu, que lhe caiu em cima e matou-o. Morreu mesmo ao pé de mim. Lembro-me desse acidente.
Miguel da Palma: Não morreu ali. Acho que ele morreu no hospital.
José Gomes: E lembro-me do acidente dos três rapazes que morreram no poço. Mas isso não foi um acidente de trabalho. Estava a chover muito e foram jogar às cartas.
Alcino Marques: O culpado daquelas mortes foi o engenheiro Teixeira.
José Gomes: Como estava a dizer, eles foram jogar às cartas para outra caserna. Estavam ali nos Bogalhos numa caserna.
Alcino Marques: Era onde eles comiam.
José Gomes: Começou a chover e eles entretiveram-se lá, e quando voltaram para a outra caserna, iam a entrar e abriu-se um buraco em frente à porta por onde eles entravam, que ia dar a uma galeria que caía lá para baixo para o fundo do poço. Conforme entravam, conforme caíam. Caíram lá três. Houve um que ficou com os braços largos, ficou cá em cima, e foi a salvação para não caírem lá mais. Morreram lá três.
Alcino Marques: Esses rapazes que morreram foram dois.
Eu não tive acidentes.
João Severino: Eu não tive nada de especial, graças a Deus. Nunca tive seguro, nunca estive de baixa, graças a Deus.
Manuel Palminha: Nunca tive acidente nenhum de trabalho. Simplesmente tive doenças. Tive uma úlcera no estômago, tive apendicite e fui operado. Fui operado a este joelho (esquerdo). Mas isso foi a jogar à bola.
Miguel da Palma: Nunca tive acidente nenhum.
Marcelino Machado: Tive dois acidentes.
Alcino Marques: Isto era malta que pouco fazia!
Marcelino Machado: No primeiro acidente queimei-me. O carvão que estava em reserva incendiou-se. Morreu lá uma miúda. E fomos escalados, um grupo de mineiros, para apagar o fogo. Aquilo eram ratoeiras autênticas. O carvão começava a arder por baixo, e por cima parecia que estava tudo bem. Eu ponho um pé... e queimei-me, bastante até. Ainda estive um mês e tal parado.
Mais tarde parti um braço. Ia a empurrar uma vagona de briquetes no cais. Aquilo tinha uns pilares, e quando vou a passar um pilar, parti a mão. As costas da mão ficaram encostadas no braço. Foram mais três meses parado. Foram os dois acidentes que tive.
Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Como descrevem o funcionamento da Cooperativa do Pessoal da EICEL?
Marcelino Machado: Nessa altura era o fornecimento de alimentos aos mineiros, que era depois descontado no ordenado ao fim da quinzena.
João Severino: Nunca me aviei lá.
José Gomes: Comprava lá muita coisa. Vendiam lá de tudo. E a gente, se havia de ir comprar a outro lado mais caro... comprávamos lá, e depois pagávamos no fim do mês.
Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Os funcionários da EICEL eram obrigatoriamente sócios da Cooperativa, ou podiam optar?
Marcelino Machado: Não. Eram todos sócios.
José Gomes: A gente era todos sócios.
Marcelino Machado: Eram obrigados a ser sócios.
Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Eram obrigados a fazer um desconto de salário para a Cooperativa?
Marcelino Machado: Era uma quota.
Miguel da Palma: Descontávamos cem escudos e quando éramos despedidos, ou quando fossemos embora, só recebíamos oitenta escudos. Vinte escudos ficavam lá para eles.
João Severino: Eu não recebi nada, e tinha lá quinhentos escudos.
José Gomes: E descontávamos também para o futebol.
João Severino: Eu cheguei a ver pessoas lá na mina que trabalhavam... quer dizer... para se receber tinha de se apresentar um cartão com uns carimbos com seis dias de trabalho. Muita gente entregava o cartão ao sábado e não recebia um tostão. E ainda ficavam empenhados. A Cooperativa era boa e não era...
Também havia uma certa coisa... Quem se aviasse lá sempre, o dinheiro não chegava. Eram portugueses que lá estavam na Cooperativa... eram pessoas que lá estavam... portugueses, não é... já se sabe como era... Havia pessoas que nunca recebiam um tostão! Era tudo para a Cooperativa!
Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Participaram em actividades extra-profissionais, como o Clube de Futebol “Os Mineiros”?
João Severino: Eu participei, participei.
Manuel Palminhas: Eu também.
José Gomes: Ainda lá dei uns pontapés na bola, mas era a brincar. Quando ela saltava para fora do campo.
Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Tiveram funções directivas no Clube?
João Severino: Eu tive. Durante anos fiz parte da Direcção.
Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Como descrevem o convívio que existia entre os mineiros? Que recordações têm dos bailes na sede do Clube de Futebol “Os Mineiros”? E que outras actividades sociais realizavam em conjunto?
Marcelino Machado: A maior parte das actividades eram bailes.
José Gomes: Era dançar toda a noite!
Marcelino Machado: Eram os bailes de fim-de-semana. Havia os dias de festa, havia o Carnaval, havia o Baile da Pinha.
José Gomes: E havia matiné ao domingo.
João Severino: Além da actividade do futebol, havia, lá na sede, jogos de cartas, havia dominó, e havia essas coisas todas. Havia baile de quinze em quinze dias.
Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Os bailes serviam também para angariar verbas para o Clube de Futebol.
João Severino: Era isso. Aquilo era só para sócios.
José Gomes: E tínhamos um acordeonista permanente.
João Severino: Ainda formámos um ringue de patinagem, quando eu estava na Direcção. Era eu, o Mário Estrela, o Zé da Luz, que já morreu, o Luís da Cantina e o Figueiredo. Aquilo era uma coisa extraordinária que estava ali.
Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Participaram na Festa em honra de Santa Bárbara?
José Gomes: Eu só participei uma vez. Assisti. Eles faziam as corridas de “peru”. Faziam-se assim umas brincadeiras.
João Severino: Uma corrida de carros de mão.
Marcelino Machado: Havia vários desportos. Eu participei num dos desportos. Foi na gincana de bicicleta. Ganhei até o primeiro prémio. Foi-me entregue na sede. Houve festa nesse dia.
Havia também a corrida de “perus”. O Miguel participou.
Miguel da Palma: E ganhei o primeiro prémio. Ganhei o segundo na estafeta que a gente fez à volta da chaminé e dos escritórios, três vezes. O Chico Abelha é que ganhou a primeira medalha.
Nuno Rocha/ O Riomaiorense: Integraram o Grupo Coral e Orquestra Folclórica do Círculo Cultural de Rio Maior?
João Severino: O Chianora. Eu fazia parte do Chianora.
José Gomes: Era mais com os alentejanos. Os alentejanos é que tinham cantares.
"A mina, nesse tempo, era boa.
Cá não havia nada igual."
José Gomes
"Muita gente entregava o cartão ao sábado e não recebia um tostão. E ainda ficavam empenhados.
A Cooperativa era boa e não era..."
João Severino