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(Entrevista) MINEIROS de Rio Maior (9)

 

 

 

2 - Actividade Profissional na Mina do Espadanal                                                   

 

 

 

O Riomaiorense: Centrando-nos na actividade mineira. Em que data iniciou funções na Mina do Espadanal?

 

 

 

Victor Almeida: Entrei para a empresa EICE, Sarl, em 27 de Dezembro 1965.

 

 

O Riomaiorense: Que funções exerceu enquanto funcionário da empresa mineira? Com que equipamentos trabalhou?

 

 

 

Victor Almeida: Trabalhei no fundo da mina do Espadanal, em 1965, com 16 anos, a empurrar vagonas pesadas, feitas de chapa negra e de ferro, carregadas com carvão de lenhite, que se deslocavam assentes em carris. Eu era o mais novo de idade, no fundo da mina. Os outros mineiros olhavam para mim, riam-se não sei de quê, porque era o único que usava luvas. Na véspera de um dia de trabalho preparava previamente o gasómetro, metendo-lhe carbureto e água. A casa só de rés-do chão, onde morava, era muito simples e pequena. No inverno frio, de madrugada, a minha mãe levantava-se da cama e preparava uma lancheira de alumínio, onde eu levava o almoço; almoço este que eu tomava ao meio dia. Da casa até ao local de trabalho seguia sempre a pé; demorava cerca de vinte minutos a chegar à entrada do túnel que dava acesso ao fundo da mina. O meu horário era das 8h00 até às 17h00, com descanso ao domingo. No inverno não chegava a ver a luz do sol, facto que me transtornava psicologicamente, e que me criou uma forte vontade de largar, logo que arranjasse uma ocupação melhor, mais limpa, menos pesada e mais saudável, sem ter que respirar o pó do carvão. E foi o que aconteceu: fui também fiel de armazém na cantina da mina e enquanto estudei na Escola Comercial, secção de Rio Maior.



 

 

O Riomaiorense: Como descreve as condições de trabalho e de remuneração?

 

 

 

Victor Almeida: Era uma actividade muito dura, exigente e mal paga (17 escudos e 50 centavos, por cada jornada de oito horas). A extracção do minério era feita por três turnos de oito horas, durante vinte e quatro horas. A empresa EICE, Sarl possuía uma fábrica de briquetes, onde o carvão extraído húmido do sub-solo, em levas, era seco, triturado e transformado; posteriormente transportado em vagões de caminho de ferro, cuja locomotiva ligava Rio Maior à estação do Vale de Santarém. Nas fases de maior produção, todos os dias eram extraídas 200 vagonas de carvão em bruto. A EICE, Sarl chegou a empregar 800 mineiros e outros funcionários. A actividade mineira com maior força laboral registou-se entre 1955 e 1963. Entre 1964 e 1969 entrou em declínio acentuado até que foi encerrada definitivamente em 1969.



 

 

O Riomaiorense: Como descreve as condições de assistência médica e social da empresa? Teve acidentes de trabalho enquanto funcionário da EICE, Sarl?

 

 

 

Victor Almeida: A EICE, Sarl., mina do Espadanal, integrava os seus funcionários oficialmente. Todos obtinham direitos descontando verbas mensais para a então chamada Caixa de Previdência (actual Segurança Social). Na altura era uma inovação, e um avanço relativamente ao direito social do mineiro nesta região. Devo dizer que muito poucos empresários de Rio Maior, nesta época, obedeciam a esta nova regra de inscreverem trabalhadores na Caixa de Previdência de Santarém, razão porque os mineiros preferiam trabalhar na mina.

 

Esta empresa mineira, proporcionava ainda aos seus funcionários, serem sócios duma cooperativa (conhecida por cantina da mina), na qual, os mesmos se abasteciam de produtos alimentares, vestuário, calçado e até botins e carbureto, o combustível usado nos gasómetros quando nos trabalhos no fundo da mina, e fazendo parte obrigatória do equipamento de cada mineiro. As instalações desta cooperativa situavam-se no centro da então vila de Rio Maior.



 

 

O Riomaiorense: Contou-nos que foi fiel de armazém na cantina da mina.  Como descreve o funcionamento da Cooperativa do Pessoal da EICEL?

 

 

 

Victor Almeida: Esta cooperativa de mineiros funcionava com seis funcionários; Nos dias do chamado avio geral, no fim da cada mês, entrávamos às 9h00 da manhã e saíamos à meia-noite, exaustos de tanto atendimento. Os mineiros apinhavam-se nas filas de espera; não havia dinheiro em circulação para pagar as compras. No final essas compras eram deduzidas nos recibos de cada um.

 

Como frequentava a escola comercial de noite, pedi ao encarregado, de nome Luís da Cantina, para poder sair do serviço ligeiramente mais cedo, e assim conseguia trabalhar de dia e estudar à noite, concluindo o curso sem reprovações em qualquer exame. Pedi, entretanto, uma bolsa de estudo ao Estado. Fui assim beneficiário de uma verba no valor anual de 8 contos, com recebimento de 800 escudos por mês.



 

 

O Riomaiorense: Participou em actividades extra-profissionais, como o Clube de Futebol “Os Mineiros”? 

 

 

 

Victor Almeida: Na altura, em que entrei para a mina, e mesmo depois, o Clube de Futebol praticamente já não existia. Penso que evoluiu para participações no campeonato do INATEL, para trabalhadores.

 

 

O Riomaiorense: Que recordações têm dos bailes na sede do Clube de Futebol “Os Mineiros”? E que outras actividades sociais realizavam em conjunto?

 

 

 

Victor Almeida: Durante todo o ano, antes da existência da televisão, aos fins-de-semana, a juventude ia ao cinema do Zé da Rita, ver filmes de cowboys, do Robin dos Bosques, do Tarzan, do Zorro, dos 3 Mosqueteiros, etc; e ia ao campo da bola, ver o clube da terra jogar futebol. Depois veio a televisão a preto e branco (1956), que era vista nos cafés e na sede dos mineiros. No clube dos mineiros havia bailes, para as famílias dos sócios, todos os sábados à noite. Para um agregado qualquer ter um aparelho de televisão era um luxo; possuir automóvel, para se deslocar por conta própria nem pensar, tal era a situação económica crítica da grande maioria da população. Mais tarde, quando a mina entrou numa fase de pouca produção, os bailes decorriam num local já extinto, designado por esplanada do Zé da Rita. No clube dos mineiros era vulgar esperar pelo acordeonista, que vinha dos lados das Fráguas. De vez em quando a direcção contratava um conjunto musical. O orçamento era sempre baixo para pagar aos animadores dos bailes, por isso o tal acordeonista tinha sempre o seu lugar assegurado, porque actuava de forma gratuita, ou quase. Os rapazes o que queriam era divertir-se, e pouco se importavam com orçamentos e reuniões de associados.

 

 

O Riomaiorense: Participou na Festa em honra de Santa Bárbara?

 

 

 

Victor Almeida: Recordo-me que houve um ano em que a procissão se realizou, passando pelo Bairro de Santa Bárbara.

 

 

O Riomaiorense: Integrou o Grupo Coral e Orquestra Folclórica do Círculo Cultural de Rio Maior?

 

 

 

Victor Almeida: Nunca integrei este, ou outro grupo coral. Chegaram a haver, na visão geral deste período de funcionamento, jogos florais e tradicionais de carácter físico em que se salientava o jogo da corda. Houve também por uma vez, que me lembre, junto aos extintos escritórios da Mina, um evento com a participação dum grupo de “cantares Alentejanos”.

 

 

 

Victor Centúrio de Almeida na antiga fábrica de briquetes da Mina do Espadanal.

© Fernando Penim Redondo, 18 de Junho de 2014.

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