top of page

O Centro Histórico de Rio Maior. Proposta de salvaguarda (9)

 

 

                         

 

 

 

2.3.2 – Intervenção no Espaço Público

No capítulo das “Conclusões quanto ao Espaço Público e Contexto Urbano”, o Programa Estratégico de Reabilitação Urbana da ARU1 apresenta exemplos das boas práticas implementadas desde a década de setenta a nível nacional. Refere-se que “começa a haver alguma preocupação com o espaço público, o que leva a acções visando a pedonização de alguns trechos de cidade, nos quais os conflitos entre circulação automóvel e circulação pedonal leva ao encerramento pontual de vias ao trânsito automóvel” (39). São referidos numerosos exemplos: Coimbra (Baixa), Lisboa, Viseu, Guimarães, Braga, Porto (Santa Catarina), Viana do Castelo, Figueira da Foz, Albufeira, Armação de Pêra, etc. (40).

A Praça do Comércio, que na década de noventa integraria esta galeria das boas práticas, é identificada neste documento como uma área “vocacionada como zona de lazer” que se encontra hoje “subaproveitada uma vez que não está dotada de equipamentos urbanos que a tornem atractiva, sendo ocupada algumas vezes por veículos automóveis como local de estacionamento temporário ou permanente” (41). Considera-se assim, que a praça tem um “uso desadequado, ou seja, existe um conflito entre a mobilidade e lazer das pessoas e a sua ocupação por veículos estacionados, condicionando de facto a sua perfeita ou melhor utilização” (42).

 

Este conflito foi agravado a partir dos anos 2000. Com efeito, e começando com a autorização de estacionamento temporário para acesso à Farmácia Barbosa, a Câmara Municipal de Rio Maior permitiu, desde então, o regresso do trânsito automóvel à zona antiga da cidade, gerando uma utilização desadequada e a degradação de toda uma área que antes se encontrava votada ao usufruto dos cidadãos. Esta prática contraria os princípios e recomendações aprovados em 2015 no Programa Estratégico de Reabilitação da ARU1 e deve, em nosso entender, ser revista, reintroduzindo-se a pedonalização de algumas áreas.

 

 

2.3.3 – O projecto de requalificação da Praça do Comércio

 

O projecto de modificação da Praça do Comércio foi apresentado ao público no dia 13 de Setembro de 2018. O âmbito da intervenção é mais vasto, envolvendo a requalificação da Praça da República e do Largo Aires de Sá. Sobre estes dois espaços, embora existam objecções à intervenção proposta, não nos pronunciaremos por estarem localizados em áreas exteriores à ARU1.

 

A proposta de intervenção na Praça do Comércio apresenta um programa diverso da ficha de caracterização constante do Plano de Acção para a Regeneração Urbana, e não corresponde ao projecto revelado em sessão pública realizada no dia 2 de Maio de 2017  (43), que foi, em nossa opinião, devidamente abandonado.

 

A ficha de caracterização do projecto de "embelezamento cénico da Praça do Comércio", previa uma intervenção mais discreta que a proposta actual, a saber: "a introdução de floreiras e mobiliário urbano na Praça do Comércio, produzindo melhorias no ambiente e na imagem de um dos espaços públicos de referência do centro histórico". Segundo este documento, justifica-se "a intenção de qualificar este espaço, por um lado, pelo facto de se pretender que esta praça seja um dos espaços privilegiados para a realização de diferentes tipos de actividades/ eventos culturais e, por outro, para servir de catalisador à instalação de bares, cafés e esplanadas que animem a vivência no seu interior" (44).

 

O projecto de arquitectura apresentado ao público no dia 13 de Setembro de 2018 propõe uma intervenção mais profunda, com a transformação arquitectónica da praça.

 

A EICEL1920 não se opõe à requalificação da Praça do Comércio por princípio. É possível e desejável melhorar a qualidade de desenho de um espaço que foi requalificado há cerca de 25 anos com um projecto pobre. Cabe, no entanto, a esta associação para a defesa do património, questionar a qualidade do projecto apresentado, apontando o seu impacto negativo na descaracterização da zona antiga da cidade.

 

A proposta, que consiste na construção de um palco perene, constituído por uma escadaria semi-circular no centro da praça, com uma cobertura fixa, introduz um elemento dissonante na escala e na linguagem arquitetctónica, num espaço com uma imagem urbana histórica e consolidada (figuras 50 e 51). Parece-nos assim notória a desadequação da proposta aos critérios de preservação e reabilitação previstos no Programa Estratégico de Reabilitação Urbana - ARU1, de Rio Maior.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

As opções arquitectónicas a considerar nesta intervenção deveriam passar, em nosso entender, por uma abordagem distinta, nomeadamente pela clarificação funcional da praça num único piso amplo e desimpedido à cota inferior, tal como se encontrava antes da construção das actuais instalações sanitárias e espelho de água no início dos anos noventa. A praça deve ser claramente demarcada da Rua David Manuel da Fonseca pelo velho muro de suporte de terras, que é assim valorizado enquanto elemento arquitectónico caracterizador da zona antiga, mantendo-se a acessibilidade à cota superior pelas velhas e discretas escadas paralelas ao muro (ver figura 52).

 

 

 

 

 

Recuperar-se-ia assim o carácter arquitectónico original da praça, e um dos seus elementos de maior beleza: a relação visual entre a Rua David Manuel da Fonseca a uma cota superior, e o rectângulo regular da praça rodeado de edifícios à cota inferior. Entre os elementos a valorizar estão, além do muro de suporte de terras e as antigas escadas, um antigo marco postal, o busto de Fernando Casimiro Pereira da Silva e o desenho da heráldica do município no pavimento.

 

A função pretendida para a praça, como espaço para a realização de eventos culturais, recomenda o desenho de um espaço desimpedido e polivalente, que permita uma utilização flexível dos espaços de esplanadas em articulação com a montagem de palcos temporários, os quais, dependendo do tipo de evento, podem ser colocados em posições distintas.

A construção de barreiras arquitectónicas artificiais e desnecessárias, leia-se a escadaria semi-circular, é assim contrária aos próprios objectivos da intervenção por prejudicar a flexibilidade de utilização do espaço. Além de desadequada à escala e aos usos previstos para a Praça do Comércio, levanta ainda questões de segurança que apenas podem ser resolvidas com recurso à introdução de inestéticas guardas e corrimões. Sobre esta escadaria, a proposta inclui ainda uma cobertura fixa, com um desenho pobre e descontextualizado, que, pelo que se expõe acima, nos parece desnecessária, tal como os pequenos espelhos de água circulares que surgem no desenho e apenas contribuem para obstruir a já reduzida área da praça com elementos arquitectónicos supérfluos. Devem por isso, em nossa opinião, ser eliminados.

 

O conjunto arquitectónico do palco, composto por escadaria e cobertura fixa, prejudica a funcionalidade e a conservação dos valores históricos e arquitectónicos da Praça do Comércio. O Município pode realizar uma obra de maior qualidade por um custo inferior, se optar por eliminar do projecto estes dois elementos dissonantes e desnecessários, realizando uma intervenção que compreenda o espaço da Praça do Comércio e saiba dignificá-lo.

 

Recordamos, a propósito da preservação do carácter arquitectónico da Praça do Comércio, a  Recomendação sobre a Salvaguarda dos Conjuntos Históricos e da sua Função na Vida Contemporânea, aprovada pela UNESCO em 1976: “os conjuntos históricos e o seu enquadramento deverão ser activamente protegidos contra todo o tipo deteriorações, especialmente as decorrentes de usos impróprios, ampliações inconvenientes e transformações abusivas ou desprovidas de sensibilidade que prejudiquem a sua autenticidade” (45).

(39)

[Operação de Reabilitação Urbana Sistemática. Programa Estratégico de Reabilitação Urbana – ARU 1, Rio Maior]. Disponível na página de internet da CIMLT, a 1 de Outubro de 2018, pág. 101.

(40)

Idem, ibidem, pág. 101.

(41)

Idem, ibidem, pág. 82.

(42)

Idem, ibidem, pág. 95.

(43)

Projeto da Praça do Comércio “evoluiu” bastante em relação ao apresentado em 2017”. In Região de Rio Maior, edição online, 19 de Setembro de 2018, disponível na internet a 1 de Outubro de 2018.

(44)

[Documento de Apresentação do Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano. Ficha de caracterização da intervenção proposta. Requalificação da Praça do Comércio e Zona Envolvente], disponível na página de internet do Município de Rio Maior, a 1 de Outubro de 2018.

(45)

Recomendação sobre a Salvaguarda dos Conjuntos Históricos e da sua Função na Vida Contemporânea”. UNESCO, Nairóbi, 26 de Novembro de 1976, disponível na internet a 1 de Outubro de 2018.

(continua na página seguinte)

1997.jpeg
Figura 51.jpg
Praça_do_Comércio_Anos_30-40a.jpg

Figura 50 - Vista aérea da Praça do Comércio na década de noventa. Reprodução de bilhete postal ilustrado. © Colecção Nuno Rocha, Arquivo O Riomaiorense.

Figura 51 - Desenho 3D da proposta de requalificação da Praça do Comércio, com construção de palco composto por escadaria semi-cicular e cobertura fixa. © Câmara Municipal de Rio Maior, 2018.

Figura 52 - A Praça do Comércio na década de trinta. © Colecção António Feliciano Júnior, Arquivo O Riomaiorense.

bottom of page