O Centro Histórico de Rio Maior. Proposta de salvaguarda (1)
Por Nuno Alexandre Dias Rocha
Presidente da Direcção da EICEL1920
1 – O NÚCLEO URBANO ANTIGO DE RIO MAIOR. UM PATRIMÓNIO MULTI-SECULAR
1.1 – (Séculos XII a XVIII) Das origens à consolidação urbana
Situada numa região com relevantes vestígios de ocupação humana desde o Paleolítico (1), e nas imediações das ruínas de uma Villa Romana do século IV (2), a existência da povoação de Rio Maior está documentada desde 1177 (3). Por esta época existia na aldeia uma albergaria régia, e erguia-se, fora do aglomerado urbano, na margem oposta do rio Maior, onde hoje se situa o cemitério, uma igreja pertencente à Paróquia de Santa Maria da Alcáçova de Santarém (4).
Em 1435 encontramos registos documentais da existência de um Paço, dotado de uma capela privativa, propriedade de Pero Afonso do Casal, a quem D. Nuno Álvares Pereira, seu cunhado, concede os direitos e rendas da aldeia (5). O Paço de Pero Afonso do Casal deverá corresponder ao Paço de Rio Maior onde D. Fernando I teria passado temporadas e onde o Conde João Fernandes Andeiro teria sido emboscado pelo irmão de D.a Leonor Telles, segundo as Crónicas de Fernão Lopes (6).
O referido Paço localizar-se-ia no Alto da Capela, onde hoje se erguem o edifício da antiga Escola Comercial e a Capela de N.a S.a da Vitória, conforme parece indicar a toponímia, bem como as conclusões dos trabalhos arqueológicos realizados no início da década de noventa pelos serviços de arqueologia da Câmara Municipal de Rio Maior (7). No levantamento cartográfico mais antigo da povoação de Rio Maior, datado de 1789 (figura 1), surge ainda representada uma torre nas imediações da capela, e persiste ainda o topónimo Rua do Paço, na actual Rua João de Deus.
Como memória desse tempo longínquo restam na cidade actual, além dos vestígios arqueológicos, o traçado sinuoso das ruas e travessas e as cantarias de uma porta manuelina recuperada da demolição de um edifício localizado na Rua Serpa Pinto n.o 49 (figura 2). A qualidade da lavra das cantarias denuncia a sua origem num edifício de maior importância, possivelmente um reaproveitamento de materiais das ruínas do antigo Paço.
A povoação ter-se-á estabelecido inicialmente ao longo de uma única rua, a Rua Direita, ocupando progressivamente, nos séculos seguintes, a encosta nascente de uma pequena elevação fronteira às várzeas formadas pela confluência do rio Maior e do ribeiro de S. Gregório, que eram utilizadas na produção agrícola, num regime de minifúndio que repartia a terra pelas famílias, bem visível ainda hoje no levantamento cadastral da propriedade rústica e urbana da cidade. A sabedoria empírica dos antigos recomendava a construção em terreno alto e seco e o aproveitamento dos terrenos produtivos na agricultura. A força motriz do rio Maior era aproveitada, com a construção de açudes, para mover moinhos.
Subindo a encosta, a ocupação urbana é feita de forma densa e orgânica, estruturada por dois arruamentos transversais, a Rua Direita (actual Rua Serpa Pinto) e a Rua de Cima (actual Rua David Manuel da Fonseca) e pela íngreme Rua do Paço (actual Rua João de Deus), que daria acesso ao Paço de Pero Afonso do Casal, ruas perpendicularmente interligadas por estreitas travessas que definem o limite dos quarteirões.
Não chegaram até nós os edifícios da época medieval. As construções mais antigas que subsistem na malha urbana são datáveis dos séculos XVII e XVIII, encontrando-se no entanto vestígios de reaproveitamento de construções anteriores. A referida carta de 1789 permite identificar edifícios ainda existentes na cidade actual.
Entre os edifícios religiosos, a Igreja Matriz de N.a S.a da Conceição, com origem no século XIII foi reconstruída no século XVIII, a expensas do Marquês de Penalva, arruinando-se posteriormente. Do edifício setecentista resta apenas uma das torres sineiras (figura 3), no actual cemitério. Sobre as ruínas do antigo paço medieval, e possivelmente reconstruindo a antiga capela privativa de Pero Afonso do Casal (8), é edificada no século XVIII a Capela da Irmandade das Almas, actual Capela de N.a S.a da Vitória (figura 4).
A Capela do Espírito Santo existia já no século XVII, anexa a um albergue administrado pela Santa Casa da Misericórdia de Santarém. Com a criação da Santa Casa da Misericórdia de Rio Maior, em 1759, o albergue e a capela passam a ser administrados localmente (10). A Santa Casa da Misericórdia, no cumprimento das suas obrigações de celebração da época Pascal, constrói as Estações da Via Sacra, datadas de 1760 (11), das quais restaram apenas três, localizadas no Largo D. Maria II, na Rua D. Afonso Henriques, e na Rua João de Deus (figuras 5, 6 e 7).
(1)
ZILHÃO, João; MARKS, Anthony; FERRING, C. Reid; BICHO, Nuno; FIGUEIRAL, Isabel – “The Upper Paleolithic of the Rio Maior basin (Portugal). Preliminary results of a 1987-1993 Portuguese-American Research Project”. In Trabalhos de Antropologia e Etnologia, 35 (4), Porto, 1995, pp.69-88.
BICHO, Nuno – “O Paleolítico Superior Final de Rio Maior. Perspectiva Tecnológica”. In Trabalhos de Antropologia e Etnologia, 33 (3-4), Porto, 1993, pp.15-35.
(2)
(3)
I.A.N./T.T., C. D., Chancelaria da Ordem de Cristo, n.º 233, fl. 175.
(4)
(5)
(6)
LOPES, Fernão - Chronica de el-Rei D. Fernando, Vol. 3. Lisboa: Escriptório, 1895-96.
LOPES, Fernão - Chronica de el-Rei D. João I, Vol. 1. Lisboa: Escriptório, 1897-98.
(7)
(continua na página seguinte)