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Memória Oral de Arlino Ferreira dos Santos (2)

                                                    

 

 

                                       

                                            

 

 

RIO MAIOR NOS ANOS 50 (SÉC. XX)

 

Quando cheguei a Rio Maior, nos meados da década de 40 havia o ensino primário, com duas escolas, e a escola comercial. A escola para rapazes era no alto dos bombeiros, tinha duas salas, normalmente a primeira e a terceira classes numa e na outra a segunda e a quarta. A escola das raparigas funcionava nos mesmos moldes, no Alto Pina. Quando os alunos acabavam os estudos primários apresentavam-se-lhes várias opções: ou se empregavam no comércio, em alguma indústria ou ficavam ligados à agricultura, até pela circunstância de o concelho de Rio Maior, nessa época, ser essencialmente agrícola, de agricultura de subsistência. Outro caminho era o prosseguimento de estudos na Escola Comercial cujo curso dava a possibilidade de ingresso nos escritórios das empresas. Havia ainda uma terceira possibilidade para os jovens cujas famílias tinham mais posses, os quais iam tirar o Curso dos Liceus, em Santarém, e alguns – poucos – seguiam para a Universidade.

Havia naturalmente algumas entidades empregadoras para os alunos que acabavam a Escola Comercial, a principal das quais era a firma João Teodoro Barbosa que se dedicava ao comércio de mercearias e vinhos. Só a partir da década de 60, quando começou a guerra em África, é que aparece então a Indústria de Carnes Nobre, com matadouro próprio, e com uma projecção cada vez maior porque era a principal fornecedora de carnes para as províncias ultramarinas. Entretanto, tinha aparecido em Rio Maior um homem que começou com a exploração das areias, o senhor Henrique Granada, com destino principalmente para a indústria de vidros da Marinha Grande e de Cerâmica também. Hoje, pelo contrário, as areias têm múltiplas aplicações. Aparecem assim duas grandes empresas, a Sarel – adquirida mais tarde pela multinacional Sibelco – e a Sifucel, que à época são duas boas empregadoras, embora ainda trabalhassem muito manualmente e apenas fizessem a lavagem das areias, sendo o tratamento posterior efectuado pelas próprias empresas que adquiriam o produto.

 

Temos assim que, ainda nos anos 50, a grande maioria dos jovens ficava apenas com a quarta classe e empregavam-se nos anos imediatos. Quem fazia estudos na Escola Comercial obtinha empregos melhor remunerados e com melhores condições nas mais importantes firmas da vila. No meu caso, por exemplo, quando saí da escola fui para o escritório de uma garagem, estação de serviço e reparação de automóveis. Deve acrescentar-se que muitos destes alunos são do meio rural e vinham para as aulas, diariamente, das dezanove às vinte e uma horas, alguns de bastante longe. Portanto, havia quem fazia o curso completo da Escola Comercial e quem ficasse pelo caminho, embora a grande maioria acabasse o curso e se empregasse, ou cá em Rio Maior, ou fosse mais tarde para Santarém ou Lisboa, para a Caixa de Previdência, para os Correios, entrando no funcionalismo público. Os poucos que fazem o Liceu em Santarém seguem para a Universidade, como os filhos do Dr. Laureano Santos, o próprio Dr. Silvino Sequeira, o Dr. Barbosa, a Dr.ª Georgete Goucha.

 

Em meados da década de 50, o Dr. Branco, que tinha vindo para Rio Maior para Chefe da Secretaria da Câmara, funda o Colégio Luís de Camões que leccionava até ao 5º ano dos Liceus. A partir daqui Rio Maior tem, finalmente, ensino liceal com secção de letras e secção de ciências. Quem queria continuar seguia para o Liceu de Santarém para fazer o 6º e 7º anos. Eu, que tirei o Curso Comercial, sete anos depois de o acabar fui ainda tirar o 5º ano dos Liceus para o Colégio Luís de Camões. Frequentei o primeiro ano no velho edifício da Praça da República, tendo acabado já no novo edifício perto da Freiria.

 

O Colégio tinha várias dezenas de alunos, alguns muito bons, e outros que vinham transferidos de outros estabelecimentos escolares. Os exames eram realizados no Liceu, em Santarém. No novo edifício as instalações físicas do Colégio, sem serem luxuosas eram, no entanto, bastante satisfatórias, bem construído e bem equipado. À semelhança da Escola Comercial também no Colégio havia aulas de Ginástica, dita sueca. Quanto aos desportos eram os desenvolvidos no âmbito da Mocidade Portuguesa, de que eu também fiz parte, tendo sido «Comandante de Castelo Arvorado» aí por volta de 1952/3. A MP, na minha óptica, era uma instituição muito boa porque me dava oportunidade de praticar desporto: futebol, voleibol e, principalmente, ténis de mesa.

 

Quanto aos métodos de ensino devo dizer, desde já, que tive um bom professor na escola primária, o professor Amílcar Andrade, de quem já me referi anteriormente. De facto, o professor Andrade preparava muito bem os alunos. O seu método de ensino era o utilizado na época, e as matérias tinham incidência na aritmética, no ditado, a cópia, a história, a geografia. Aos alunos era imposto que decorassem as matérias, sobretudo utilizando a repetição como recurso. Ainda me lembro da lengalenga que era a turma inteira repetindo em uníssono a tabuada, mas também o decorar dos rios, serras e caminhos de ferro, por exemplo. Claro que quando o aluno não estudava, não sabia, lá vinha o castigo corporal. Havia correctivos todos os dias e quem apanhasse com frequência, clientes certos, mesmo no inverno quando as ‘palmatoadas’ mais doíam.

 

Na Escola Comercial os métodos alteram-se substancialmente. Aí já não havia «reguadas», mas havia um professor ou outro que ainda usava a velha cana, tipo ponteiro, de que fazia uso no «pelo» do aluno mais distraído ou menos conhecedor. Havia também repreensões e expulsão da sala, com registo averbado. Em todo o caso, deve sobretudo realçar-se a afectividade que envolvia o conjunto de professores que tinham grande apreço pelos seus alunos. No Colégio a minha experiência é um pouco diferente uma vez que fui para lá já com 24 anos, quando a generalidade dos alunos andava pelos 14/15/16 anos. Para mim foi quase como uma diversão, no bom sentido, pois vinha já com outra bagagem, com outro sentido da vida, e isso reflectia-se na atitude face à escola e também no aproveitamento escolar. A minha ligação com o Dr. Branco era tal que muitas vezes eu ficava a «tomar conta» dos alunos enquanto ele se ausentava.

 

Dos meus colegas de escola lembro-me muito bem deles. São dez, doze anos de escola, com sete anos de intervalo. Vejo-os muitas vezes. Há colegas de quem estamos mais próximos, com quem temos um certo carinho. A esta distância de sessenta anos é possível ver que aquela geração foi uma geração bem-sucedida e que marcou uma viragem importante na comunidade riomaiorense. De facto, a Escola Comercial nos primeiros anos, de 1924 a 1944, teve poucos alunos. Foi praticamente depois da guerra que começa o grande incremento da Escola, até pela reestruturação do Curso Comercial. Essa é a viragem marcante que viria a ser aumentada com a guerra do ultramar nos anos 60. Essa viragem, de resto, é visível no percurso social destes alunos porque saíram com cursos completos, com vidas estruturadas, mesmo fora de Rio Maior. O que vinha de trás era uma situação muito incipiente, a partir daqui a generalidade dos alunos tem novas oportunidades e melhora substancialmente o tecido social de Rio Maior. Por outro lado, também a guerra de África contribuiu para o desenvolvimento económico de Rio Maior uma vez que todos aqueles que tinham a oportunidade de lá servirem, no campo militar ou civil, vinham de lá com nova mentalidade, outras ideias.

 

Por esses anos também a construção teve um novo impulso, após a expansão inicial dos anos 40 com a abertura da mina, alargando-se a malha urbana da então vila. Deve dizer-se que o polo industrial que a mina constituía, sendo na época o grande empregador era também um núcleo muito importante de novas ideias, nomeadamente as ligadas ao sindicalismo, o que trouxe para a vila e para o concelho mais consciência social. Exemplo disso são as eleições para a Presidência da República, em 1958, ganhas em Rio Maior pelo General Humberto Delgado. Estou convencido que mais de noventa por cento dos trabalhadores da Mina votaram nele. Não nos esqueçamos que por essa época em Rio Maior não havia tertúlias de café, mas apenas convívios de taberna sendo até muito engraçado e original nos primeiros tempos ouvirem-se os grupos de mineiros à noite, depois de saírem da mina, cantarem as modas alentejanas nos coros de vozes que lhes são tão característicos.

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Figura 6 - Explorações de areias na envolvente da vila de Rio Maior, 1997. © Colecção Nuno Rocha. Arquivo do jornal O Riomaiorense.

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Figura 7 - Antigo Colégio Luís de Camões, 2005. © Colecção Nuno Rocha. Arquivo do jornal O Riomaiorense.

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Figura 8 - A fábrica de briquetes da Mina do Espadanal em 1955. © Colecção Fernando Aguiar. Arquivo EICEL1920.

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