Memórias da Comunidade Mineira de Rio Maior, 1916-1969 (10)
Na véspera de Natal de 1963, a Administração da EICE SARL pagou integralmente a dívida aos dezanove funcionários, agravando-se por esta via a descapitalização da empresa. Em Fevereiro de 1964 os pagamentos aos funcionários da direcção técnica e escritórios foram novamente suspensos. Passado um mês, o Director-técnico da mina, Eng. Falcão Mena, comunicou à Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos o risco de fome de funcionários e famílias, solicitando providências imediatas para se evitar uma situação desesperada (figura 27).
A crise afectou pela primeira vez os mineiros, que em Junho não receberam o pagamento de salários. Com efeito, no dia 4 de Junho de 1964, a EICE SARL informou a delegação de Santarém do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência (INTP), da intenção de suspender a actividade por dificuldades financeiras. Em simultâneo, a cooperativa do pessoal da empresa suspendeu com efeitos imediatos as vendas a crédito.
Privados do seu salário e sem a possibilidade até aí existente de adquirirem os bens de primeira necessidade a crédito, as famílias dos funcionários da EICE SARL apresentaram-se no dia 5 de Junho no refeitório da Sopa dos Pobres, gerido pela Conferência de S. Vicente de Paulo, onde lhes foram fornecidas refeições.
As autoridades locais e o Governador Civil de Santarém procuram soluções para a crise das minas. Em Julho, a Direcção Nacional de Assistência disponibilizou um subsídio de 18.400$00 para acorrer às necessidades da comunidade mineira.
Perante a ausência de medidas por parte das entidades competentes, e após cerca de dois anos a receber salários em atraso, numa situação que o forçara a acumular um segundo emprego para sustentar a família, o engenheiro Luís Falcão Mena resolveu aceitar proposta de trabalho nas minas de ferro de Cassinga, em Angola, e abandonou a Direcção-Técnica das Minas do Espadanal, sendo substituído pelo engenheiro José Guilherme de Sousa Espírito Santo.
As minas prosseguiram a sua actividade com atrasos frequentes no pagamento de salários. Na sequência desta crise a EICE SARL entrou em irremediável declínio, com o abandono de cerca de metade dos seus funcionários, em consequência da crescente emigração para França e Alemanha, agravando a falta de mão-de-obra com que a empresa se debatia. A extracção mineira reduziu-se progressivamente, tendendo para a paralisação.
À dificuldade de colocação das lignites no mercado de combustíveis, apenas ultrapassada com intervenção da Direcção-Geral de Combustíveis, que determinou a aplicação das lignites de Rio Maior na indústria nacional, acresciam dificuldades de organização interna que afectavam a sustentabilidade da empresa.
A EICE SARL debatia-se com uma falta de liquidez para investimento na modernização do sistema de extracção, devida a pesados encargos com empréstimos e salários de pessoal, que consumiam todos os recursos disponíveis. A escassa mecanização do método de lavra na mina obrigava ao emprego de um número de assalariados excessivo para a produção obtida.
A 13 de Fevereiro de 1965, as dificuldades da organização mineira foram expostas na Assembleia Nacional pelo deputado Alberto Ribeiro da Costa Guimarães. O deputado, conhecedor da actividade da empresa e dos condicionalismos que ao longo de décadas lhe foram impostos pela intervenção do Estado, expõe “a queda vertiginosa em que rola a exploração das suas minas, a ponto de dia a dia, progressiva e irresistivelmente, se desmantelar económica, técnica e financeiramente, e no campo social.” (36)
Apresentam-se como soluções a definição e execução de um plano que poderia passar pela intervenção do governo, “mas com um programa financeiro a cumprir decidida e rigorosamente, sem dilações, e elevando-se o consumo da lignite seca para cerca das 400 toneladas diárias”, ou pelo investimento privado de “uma entidade idónea, técnica e financeiramente” que “assegure a manutenção da lavra da mina e a laboração dos seus acessórios mineiros para interesse da comunidade”. (37)
Existia, com efeito, uma entidade privada interessada em investir na aquisição da quota de 55% do capital da EICE SARL detido pelo Estado: a empresa Fundição e Construções Mecânicas de Oeiras SARL, administrada pelo Comendador António Cardoso dos Santos.
Na mesma sessão da Assembleia Nacional, o deputado e administrador delegado pelo Estado na EICE SARL, engenheiro Joaquim de Sousa Byrne, descreve um cenário de crise terminal no couto mineiro do Espadanal: “doença gravíssima de Rio Maior, que incrivelmente se deixou agravar de uma maneira extraordinária durante muitos anos.” Segundo o engenheiro Byrne, “a exploração do jazigo, que já hoje muito pouco precisa de engenheiros, se não lhe acodem, já vai a precisar mas é de muitos advogados para lhe arranjarem um bonito enterro”. (38)
Em Abril de 1965, o Jornal do Oeste iniciou uma campanha em defesa da recuperação económica do couto mineiro do Espadanal, com carta aberta dirigida ao Ministro da Economia, Corrêa de Oliveira, que respondeu, a 7 de Maio, declarando que “a resolução de tão magno problema” era a sua “primeira preocupação” no momento. (39)
O Secretário de Estado da Indústria, Eng.º Manuel Rafael Amaro da Costa, visitou o Couto Mineiro do Espadanal no dia 12 de Junho de 1965, acompanhado pelo Director Geral de Minas e Serviços Geológicos, Eng. Soares Carneiro, e pelo Administrador Delegado do Governo na EICE SARL, Eng. Joaquim de Sousa Byrne.
Em Janeiro de 1966, o caso das minas de Rio Maior foi novamente abordado na Assembleia Nacional, com intervenção do deputado Eng. Arnaldo Júlio Xavier da Fonseca, defendendo a construção de uma central termoeléctrica em Rio Maior para aproveitamento das lignites em resposta às necessidades nacionais de produção de energia eléctrica.
O agravamento da situação económica da EICE SARL e a acumulação da créditos a favor do Estado, resultantes de sucessivos empréstimos para pagar salários, foram analisados em Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos de 16 de Março de 1966, entendendo-se que a solução para Rio Maior passaria pela integração do sistema “carvão-energia”. Para tal foi incumbida a Empresa Termoeléctrica Portuguesa (TERMEL), de proceder às diligências necessárias para se substituir à EICE SARL como concessionária do couto mineiro, com o objectivo de ali instalar uma central termoeléctrica.
Esta orientação foi consignada no III Plano de Fomento (1968-1973), que preconizava a formulação de uma politica energética nacional na qual deveria ser tida em conta não só a segurança e estabilidade do abastecimento mas também a valorização do recursos nacionais, estabelecendo que, quanto aos carvões, a via a seguir deveria ser a da sua integração na electricidade.
A avaliação do jazigo e o estudo da viabilidade do projecto foram encomendados a uma consultora alemã, a Otto, Gold, Fichtner, que promoveu uma nova campanha de sondagens, durante o ano de 1968, para calcular as reservas de lignite. Parte substancial das sondagens foram executadas pelo Serviço de Fomento Mineiro. Este estudo augurava um futuro promissor ao jazigo, com uma vida útil estimada entre quinze e vinte anos, num regime de exploração a céu aberto.
O Governo e a EICE SARL viram-se então na contingência de uma decisão difícil: o encerramento da mina e da fábrica para total remodelação do empreendimento. Devido à necessidade de “um desfasamento superior a um ano até ao início dos novos trabalhos foi superiormente resolvido paralisar a exploração, que assim, pelas suas características deixou de ter qualquer finalidade para o futuro.” Considera-se que a continuação da lavra nos moldes antigos seria “duplamente ruinosa, pelo deficit que mensalmente acarreta, e pela amputação de reservas que ocasiona para o futuro, não só do carvão que se extrai, como daquele que fica inutilizado nas camadas superiores e inferiores àquela sobre a qual se exerce a actual exploração.” (40)
Em despacho do Secretário de Estado da Indústria, emitido em Junho de 1969, foi determinada a paralisação da mina com vista à reformulação da lavra no âmbito do programa aprovado, recomendando-se, porém, que se acautelasse a “situação moral e material” do pessoal da empresa e a liquidação dos créditos em dívida.
O Jornal do Oeste publicou, a 2 de Junho, uma entrevista com o director-técnico do Couto Mineiro do Espadanal, engenheiro José Espírito Santo, que confirma a suspensão temporária da actividade mineira. Segundo o engenheiro, o problema social resultante da paralização da mina “será tratado o melhor possível, quer alternativamente por indemnizações ao pessoal atribuídas nos termos do decreto-lei no. 47.032, quer por compensações ao abrigo do Fundo de Desenvolvimento de Mão de Obra, tentando-se, além disso, acompanhar na medida do possível o pessoal que sair na obtenção de novas colaborações.” (41)
A mina e a fábrica de briquetes foram definitivamente encerradas no dia 5 de Julho de 1969 com o despedimento colectivo de cerca de 160 operários, repartidos por diversas categorias profissionais, muitos deles com mais de vinte anos de serviço e que devido à idade teriam dificuldade na obtenção de novos empregos.
A totalidade do património da EICE SARL foi transmitida, por venda simbólica celebrada em escritura de 16 de Setembro de 1970 (42), à Companhia Portuguesa de Electricidade (CPE), que assumiu o passivo e a concessão dos coutos mineiros, ficando incumbida de dar seguimento aos estudos para instalação de central termoeléctrica.
Com a nacionalização e fusão das principais empresas do sector eléctrico português, em 1976, os activos da CPE, e nomeadamente a concessão mineira de Rio Maior, passaram a ser detidos pela empresa pública Electricidade de Portugal (EDP), que prosseguiu estudos para instalação da projectada central termoeléctrica.
No início dos anos oitenta, a fábrica de briquetes foi adaptada pela empresa ACTA, Actividades Eléctricas Associadas SA, para o desenvolvimento da sua actividade industrial, e posteriormente foi ocupada pela Câmara Municipal de Rio Maior com funções de estaleiro e oficinas de mecânica e carpintaria.
Após a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, o projecto de instalação de um central termoeléctrica à boca da mina foi considerado financeiramente inviável, o que resultou no abandono da concessão mineira. O Couto Mineiro do Espadanal foi desmembrado por Portaria da Secretaria da Estado da Energia, de 29 de Fevereiro de 1988. Alguns meses depois, por despacho ministerial de 28 de Setembro de 1988, foram consideradas abandonadas as concessões das minas Espadanal, Espadanal n.º 2 e Ponte de S. Gregório.