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Memórias da Comunidade Mineira de Rio Maior, 1916-1969 (7)

 

 

 

 

5. TRANSFORMAÇÃO SOCIOCULTURAL. ENSINO, CULTURA E DESPORTO

 

Ensino

 

Entre as dificuldades que se apresentaram à comunidade local, pelo súbito aumento de população, surgiu a incapacidade de acolhimento de várias dezenas de crianças em idade escolar na única escola primária oficial da vila, edifício com apenas quatro salas, duas para cada sexo, construído em 1878.

Procurando evitar o aumento dos números do analfabetismo, a EICEL criou um posto escolar próprio, com aulas ministradas pelo funcionário dos escritórios, Mário Viana, e que ficou instalado na sede do Clube de Futebol “Os Mineiros”, localizada na vila. Em 1945 este posto escolar garantiu a frequência de 70 alunos, entre funcionários da empresa e filhos.

As entidades locais tentaram encontrar uma solução de recurso, através da disponibilização do salão da Casa do Povo de Rio Maior para o funcionamento de aulas e da garantia de fornecimento de material didáctico pela Câmara Municipal, mas, devido à inexistência de instalações adequadas, o Ministério não procedeu, de imediato, à colocação de novos professores.

A sobrelotação das infra-estruturas escolares da sede do concelho apenas teve uma solução definitiva no Pós-Guerra, num processo que se alongou até 1949 e teve repercussões em alteração, de âmbito local, no plano de obras escolares promovido nesta década pelo Estado – o Plano dos Centenários, aprovado por Despacho do Conselho de Ministros de 15 de Julho de 1941.

O crescimento da comunidade educativa devido à fixação de residência, a partir de 1942, de dezenas de crianças em idade escolar, reflectiu-se na desadequação da previsão de número de salas de aula a construir na vila, que foi, em face das novas circunstâncias, aumentada na revisão dos mapas de construções, publicada em 1943 (16). O concelho de Rio Maior foi incluído na segunda fase do Plano dos Centenários, iniciada em 1946, com a construção, na vila, de dois edifícios de três salas de aula, prevendo-se ainda a construção posterior de um terceiro edifício.

O apoio social às crianças carenciadas em idade escolar concretizou-se também, a partir de 1948, com a inauguração de uma Cantina Escolar dinamizada pelo professor primário Amílcar Andrade.

Em 1956, a EICE SARL, tendo como objectivo a redução do analfabetismo entre os seus funcionários, aderiu à Campanha Nacional de Educação de Adultos instituindo um curso ministrado pelo funcionário da empresa, Mário Mirandela.

 

Cultura

 

A mina potenciou a fixação de quadros qualificados e de uma nova comunidade com hábitos diferenciados. No plano cultural, os riomaiorenses não foram indiferentes à nova realidade social destacando-se, pela promoção da representação teatral, o Grupo Cénico Zé P’reira, fundado em 1941, que levou ao palco peças de inspiração mineira, de que foram exemplo a revista inspirada nas demoradas obras da via-férrea, “O comboio mistério” (Duarte, 1979: 145), ou a opereta “E o sonho foi realidade…”

A opereta, composta pelo Maestro Alves Coelho (filho), regente da Banda dos Bombeiros Voluntários de Rio Maior e da Orquestra de Jazz local, com a colaboração de Joaquim Dâmaso Dias, industrial de moagem e pianista amador, e de Alexandre Laureano Santos, subiu ao palco do Teatro Riomaiorense a 21 de Junho de 1945. Contou com a participação de nove senhoras e trinta e nove homens e, em dois dos papéis principais, com os mineiros Manuel “Pablo” Tavares e Francisco Laborinho.

A peça em três actos e com dezoito números musicais, descrita pela imprensa local como uma “apologia da vida dos mineiros” (17), legou à cultura popular da comunidade o Fado do Mineiro, cuja versão original, acompanhada por um grupo coral constituído por quinze mineiros da EICEL, era cantada pelo Maestro Alves Coelho.

“O espectáculo repetiu-se nos dias 22, 23 e 24, sempre com farta afluência de público, que aplaudiu com entusiasmo os principais números da opereta, muitos dos quais foram bisados e trisados” (18), revertendo a receita de bilheteira para fins de beneficência.

Sucederam-se, neste período, eventos musicais e bailes organizados por grupos de funcionários da EICEL e pelo Clube de Futebol Os Mineiros – merecendo destaque a reedição, a cada Verão, por altura dos Santos Populares, de eventos socioculturais para angariação de fundos a aplicar na renovação da equipa de futebol.

O final do ano de 1951 foi marcado, a 23 de Dezembro, pelo surgimento no meio cultural riomaiorense de uma festividade tradicional intimamente ligada à vivência das comunidades mineiras: a festa em honra da padroeira, Santa Bárbara (figura 21 e video 1). O programa desta primeira edição, animada pela Banda de Música dos Bombeiros Voluntários, contou com uma procissão, uma prédica religiosa e distribuição de roupas aos filhos dos mineiros, oferecidas pela EICEL. A empresa concessionária abriu, neste dia, as suas instalações ao público, para visitas (19).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O crescimento da actividade cultural em Rio Maior encontrou na empresa concessionária da Mina do Espadanal um apoio decisivo – numa fase de desenvolvimento industrial – enquanto entidade empregadora que potenciou a fixação em Rio Maior de novos quadros qualificados.

Em Julho de 1955 fixou residência na sede do concelho, enquanto funcionário da empresa mineira, o dinamizador da Orquestra Típica de Santarém, Maestro António Gavino, que declarava a intenção de organizar em Rio Maior, com o patrocínio da Câmara Municipal, “uma Orquestra Típica, bem como, se possível, um orfeão ou, pelo menos, um grupo coral” (20).

O Maestro encontrou num jovem e recém-nomeado presidente da autarquia, João Afonso Calado da Maia, o necessário apoio, através da criação de uma nova associação cultural que enquadrou a iniciativa: o Círculo Cultural de Rio Maior.

A renovada comunidade riomaiorense viu assim nascer, no seu seio, o maior empreendimento cultural até então concretizado na pequena vila de Rio Maior, composto por membros de antigas tunas locais e novos elementos, entre os quais, vinte e quatro funcionários da Mina do Espadanal.

Após cerca de dois meses e meio de organização e ensaio de um efectivo de 100 elementos, trajados com indumentária regional confeccionada para o efeito, integrando orquestra composta por “6 bandolins, 2 bandoletas, 4 guitarras, 5 violões baixos, 3 concertinas, 2 clarinetes, 1 flauta e bateria” (21), o Grupo Coral e Orquestra Folclórica do Circulo Cultural de Rio Maior (figura 22) apresentou-se ao público a 14 de Dezembro, no Salão da Casa do Povo, num espectáculo gravado pela Rádio Ribatejo que mereceu os mais rasgados elogios do público e da imprensa local (22).

No discurso de apresentação do Grupo Coral e Orquestra Folclórica, o Presidente da Câmara Municipal de Rio Maior, João Afonso Calado da Maia, testemunhou publicamente aos directores da EICEL, o “reconhecimento pelas facilidades concedidas ao seu pessoal, que em número tão avultado faz parte deste agrupamento musical” (23),  notando que se deve à empresa mineira a presença em Rio Maior do seu principal dinamizador, maestro António Gavino, “contribuindo assim, ainda que indirectamente, para que este ressurgimento cultural fosse um facto.” (24)

Rio Maior contaria, nas décadas seguintes, com uma embaixada artística que se viria a apresentar nos mais diversos palcos do país, marcando inclusive a primeira aparição televisiva da produção cultural riomaiorense, nos alvores da Radiotelevisão Portuguesa.

(16)

O mapa definitivo das obras de escolas primárias do Plano dos Centenários foi publicado no Diário do Governo, II série, de 5 de Abril de 1943.

(17)

“A estreia da opereta E o Sonho foi Realidade!...” In Concelho de Rio Maior, n.º 167. Rio Maior, 1 de Julho de 1945.

(18)

Idem, ibidem.

(19)

“Festa a Santa Bárbara”. In O Riomaiorense (3ª Série), n.º 74. Rio Maior, 15 de Dezembro de 1951.

(20)

“Notícias diversas”. In O Riomaiorense (3ª Série), n.º 148. Rio Maior, 13 de Julho de 1955.

(21)

“Notícias diversas”. In O Riomaiorense (3ª Série), n.º 156. Rio Maior, Dezembro de 1955.

(22)

“Estrearam-se no Palco da Casa do Povo, com o Salão repleto de uma distinta assistência. O Coral e a Orquestra Folclórica de Rio Maior”. In O Riomaiorense (3ª Série), n.º 157. Rio Maior, 24 de Dezembro de 1955.

(23)

“Ecos de um grande espectáculo em Rio Maior”. In O Riomaiorense (3ª Série), n.º 158. Rio Maior, 7 de Janeiro de 1956.

(24)

Idem, ibidem.

 

FADO DO MINEIRO

 

(REFRÃO)

  

“Ser-se mineiro

É orgulho, é ter brazão,

Pois cavando o solo inteiro,

Tenho lar e tenho pão,

Ser-se mineiro

É ser um homem de bem,

É mostrar ao mundo inteiro

Que também somos alguém!”

 

 

 

(Alexandre Laureano Santos)

 

 

 

Figura 21 - Festa em honra de Santa Bárbara. Partida da procissão junto aos escritórios da EICE SARL, 1956. © Colecção Luís Falcão Mena, Arquivo EICEL1920.

Vídeo 1 - Festa em honra de Santa Bárbara, década de 50. © Colecção António Feliciano Júnior, Arquivo EICEL1920.

Figura 22 - Coral e Orquestra Folclórica do Círculo Cultural de Rio Maior, década de 50. Reprodução de Duarte, Fernando, 1979.

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