(Arquivo) Como nasceu a 2.a Série de O Riomaiorense (10)
Por António Custódio dos Santos
In O Riomaiorense (3.a Série) no. 279, de 9 de Março de 1964
O seu proprietário, bom e diligente Carlos Silva, com grande prática de impressão de jornais, respondeu no mesmo dia, também telegraficamente, que contando já com o sucesso que lhe explicáramos, havia deixado intacta a composição com todas as suas páginas e que no dia seguinte, pelo comboio da manhã, nos enviaria os cem exemplares solicitados. Ficámos radiantes e penhoradamente reconhecidos com o nosso dedicado e eficiente impressor que tão desinteressadamente previra as dificuldades em que nos poderíamos encontrar.
Dias depois recebíamos uma carta de Francisco Santos, que tendo sido nomeado por concurso, como era seu velho desejo, administrador de Circunscrição em Angola, fora despachado para desempenhar o cargo no Golungo Alto e logo ao embarcar no paquete Zaire, da Companhia Colonial de Navegação, nos enviara a sua primeira epístola que publicámos com o título de Cartas de Longe.
Nessa missiva, Francisco Santos, dando conta da sua chegada a Luanda, nos felicitava pelo 2.° aniversário do Jornal que ele tivera a iniciativa de se fundar, incitando-nos a não desanimar e confessando que o motivo principal da sua saída fora a ideia que já lhe dominava o espírito, de se ausentar para a nossa África, o que afinal conseguira. Prometia continuar a enviar toda a colaboração que pudesse, especialmente notícias do nosso famoso Império Ultramarino, promessa que na realidade manteve, com imensa satisfação nossa e geral agrado de todos os leitores, remetendo com toda a regularidade as suas interessantíssimas Cartas de Longe.
Na mesma ocasião recebíamos uma outra amável carta de Sousa Varela, abraçando-nos pela passagem do segundo aniversário do querido O Riomaiorense, ao qual – acrescentava – continuava a desejar uma longa e próspera vida e ao seu director todas as alegrias, felicidades e venturas de que era digno.
E o Jornal vai singrando. Vibrante, altivo, tendo sempre como norma exclusiva a defesa dos interesses sagrados da Pátria e da República e o bem estar e o progresso contínuo do adorado e ainda esquecido Rio Maior!
Mas um acontecimento de certo modo importante ía produzir-se na vida do nosso periódico.
Ernesto Alves, distinto filho de Rio Maior, amigo velho de António Custódio, portador de grande e excelente cultura, de inteligência viva, firme, decidida, tão modesto quanto arguto e penetrante na solução dos problemas que se lhe apresentam, é nomeado chefe da Secretaria da Câmara Municipal do nosso concelho e, no dia 28 de Setembro de 1914, consorcia-se em Lisboa, com uma muito ilustre dama, a senhora Dona Filomena Gonçalves, fixando definitivamente residência na nossa linda vila.
António Custódio não perde a magnífica oportunidade: Insiste com o seu amigo e consegue que ele entre para o corpo do Jornal, aceitando o lugar de Secretário da Redacção.
Esta explêndida aquisição veio dar mais vigor ainda ao denodado O Riomaiorense, pois Ernesto Alves era um antigo conhecedor da vida de qualquer periódico por haver trabalhado, durante muitos anos, como redactor do grande diário de Lisboa, O Século.
Entrou O Riomaiorense, pois, numa nova fase, e o seu director num período de maior e mais tranquilo descanso, pois Ernesto Alves, quando era necessário, fazia, sem grande esforço, o jornal todo, deixando apenas para o seu amigo o editorial, em que não queria envolver-se, por tratar, este, quase sempre, de assuntos que só o próprio Director sabia e queria debater.
Mas o dilecto amigo de António Custódio emprestou logo ao Riomaiorense uma feição e uma vida sem dúvida notáveis, publicando, além de primoroso noticiário, excelentes produções em forma de folhetins, umas de sua fértil imaginação, outras de óptimas traduções, género de literatura em que também era exímio.
Os dias se passaram assim tranquilamente, entrecortados, por vezes, com questiúnculas locais, provocadas quase sempre por antigos partidários da monarquia que haviam aderido à República e filiado-se no partido Democrático, mas António Custódio repelia sempre esses elementos com a sua costumada virilidade e tudo voltava à mesma paz sossegada e aprazível.
Um outro acontecimento igualmente importante, ía influir na expansão do jornal.
Manuel Dias Ferreira, um rapaz bastante activo, inteligente, natural de Santarém, que havia trabalhado como tipógrafo no tempo do saudoso Manuel José Ferreira, na sua oficina tipográfica em que era impressa a Civilização Popular, adquire a tipografia com tudo quanto estava dentro, dos respectivos herdeiros, e trata de restaurar a máquina em que era impresso aquele órgão do magistério primário. Conseguido isto, entende-se com António Custódio e propõe-lhe a impressão de O Riomaiorense na sua oficina, em condições iguais àquelas em que era impresso em Leiria.
Chamado Ernesto Alves para dar a sua opinião, fazem-se as necessárias experiências, dando estas pleno e absoluto resultado.
Passa o Jornal, pois, a ser feito em Rio Maior. Antes disso, porém, António Custódio dá explicações ao digno proprietário da tipografia em que havia sido impresso, até ali, o nosso O Riomaiorense.
Conta-lhe, com a maior lealdade, todos os factos ocorridos, agradece a sua sempre manifesta e comprovada boa vontade, prometendo ir a Leiria, na primeira oportunidade, para pessoalmente o abraçar e lhe testemunhar, de viva voz, o seu reconhecimento.
Carlos Silva, carácter distinto, coração magnânimo, respondeu que achava muito natural tudo que lhe diziamos e que para tudo quanto nos pudesse ser útil, continuava à nossa inteira disposição.
O Riomaiorense, portanto, que havia mudado os dias de publicação para os sábados, por melhor se conjugar este dia com os vários afazeres do seu actual director, começa a ser impresso na oficina do diligente e zeloso Manuel Dias Ferreira.
Todos os dias de manhã cedo, ele ía, com a melhor boa vontade, a casa de António Custódio, apanhar os originais que este na véspera, às vezes até altas horas da madrugada, houvesse produzido, para começar a ser composto o Jornal.