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(Arquivo) Como nasceu a 2.a Série de O Riomaiorense (4)

Por António Custódio dos Santos

In O Riomaiorense (3.a Série) no. 270, de 26 de Outubro de 1963

 

 

 

 

Houve, sobre este assunto, ligeira divergência, mas no final todos concordaram ser esse o caminho que mais convinha à nova folha seguir. Sousa Varela, o velho e honrado democrata, sem dúvida o mais antigo pioneiro da República em todo o concelho, que já entrara na frustrada revolução de 31 de Janeiro, no Porto, explicou ainda que aceitava o cargo de director do jornal como uma imposição decorrente da hora em que unanimemente havia sido resolvida a sua fundação. Todavia, agradecendo a todos a honra que isso significava para o seu nome, queria declarar que a sua vida muito ocupada não lhe permitia manter por muito mais tempo o lugar de administrador do concelho. Voltando, portanto, à sua casa na Vila da Marmeleira e à realidade dos seus negócios, já um tanto abandonados, não poderia continuar a dispensar-nos a mais leve parcela de assistência, pelo que seria forçado a pedir a demissão do seu honroso cargo.

 

Esperava que todos os bons amigos ali reunidos compreendessem a sua situação e não lhe apresentassem quaisquer objecções quando chegasse a hora da despedida, pois sabia que não faria falta com tão bons timoneiros a substituí-lo no leme do barco e na Vila da Marmeleira estaria sempre ao absoluto e incondicional dispor não só do querido vanguardeiro que íamos lançar à luz da publicidade, mas de todos os seus distintos componentes.

 

Todos agradeceram a uma voz, cheios de emoção, as explicações do querido e bom amigo, tão modesto nas palavras, como decidido nas acções, e não tendo nada que objectar-lhe, limitaram-se a afirmar que respeitariam sempre as suas judiciosas resoluções, mas que quanto à anunciada saída do jornal, antes mesmo da aparição do primeiro número, ela só poderia deixar nos corações dos seus dedicados companheiros o mais profundo sentimento de pesar e a mais infinda de todas as saudades.

 

António Custódio lembrou, a propósito, que seria conveniente arrendar uma sala, pelo menos, para a Redacção do jornal, afim de serem feitas ali as expedições e efectuar-se mesmo qualquer reunião, à maneira que fossem surgindo motivos para isso. Ficaram ele e Amarino Calisto, encarregados de procurarem essa sala e encontrando-a assinarem o respectivo compromisso de arrendamento.

E terminou esta primeira reunião oficial com abraços efusivos de todos, eram precisamente dezoito horas.

O primeiro número

 

Logo na segunda-feira, o editor e administrador do nosso semanário, dois amigos íntimos, já de data bastante recuada, saíram a procurar casa para a Redacção, e mau grado todos os esforços que empreenderam, nada encontraram que servisse aos fins que tinham em vista.

 

Voltaram no dia seguinte, terça-feira, e passando em frente da casa da família Canadas, conhecida por Vida, na Rua Machado Santos, 32 e 34, notaram que o rés-do-chão dessa casa onde em tempos havia sido o estabelecimento comercial de José  Augusto Monteiro de Brito, se encontrava fechado e possivelmente desocupado. Batendo, apareceu a própria dona do prédio que confirmou estar aquela parte desocupada. Entraram em entendimentos, e dentro em breves minutos estavam com as chaves na mão e a senhora Canadas com um mês de renda adiantada em seu poder!

 

Amarino Calisto que era homem de acção, vivo, decidido, inteligente e dinâmico, chegando à rua, visivelmente satisfeito com o sucesso obtido, volta-se para António Custódio e diz-lhe: Agora, aproveitando a boa Estrela que nos protege, vamos falar com o João Mecherico para ele dar ordem ao seu empregado transportador das malas do correio de Caldas para Rio Maior, no sentido de que todas as quintas-feiras, a começar já na próxima, vá à Estação de Caminho de Ferro apanhar o volume dos jornais que destinado ao Chefe da Estação lá estará às nossas ordens. Fomos, sem demora, tendo a felicidade de encontrar o próprio João Vitorino (Mecherico era alcunha) que morava numa rua cujo nome não me ocorre, mas que partindo da Rua João de Deus, ia bifurcar mesmo em frente da casa do citado João Vitorino. Um ramal saía no Rossio e o outro no Largo dos Bombeiros, tendo o seu término na Rua Machado Santos. Dissémos a João Vitorino, velho conhecido de ambos, o motivo que ali nos levava, mostrando ele imenso prazer em nos ser agradável e chamando logo o transportador das malas, na nossa frente mesmo, lhe fez as indispensáveis recomendações. Quisémos saber quanto teríamos de pagar por aquele serviço, que precisava de ser certo e sem falhas, todas as semanas, mas o bom do João Vitorino, peremptóriamente, declarou que tratando-se de um melhoramento para Rio Maior, nada levaria por isso, nada cobraria por isso, bastando que déssemos ao empregado uma pequena gorjeta para o estimular.

 

Agradecemos a extrema gentileza e saímos. Amarino, cá fora, cheio de contentamento pelo sucesso das nossas démarches do dia, desabafou: Bem. O principal está feito. Agora, o resto, deixem-no por minha conta, pois todas as quintas-feiras eu me levantarei à hora do correio sair para as Caldas, e recomendarei ao rapaz com todo o empenho, a sua ída à Estação do Caminho de Ferro, de modo a termos cá o jornal, sem faltar um só dia.

 

E assim era! Sem nunca se esquecer, o nosso querido amigo e devotado companheiro de redacção, à hora da saída do correio para as Caldas, lá estava a fazer as necessárias recomendações ao transportador das malas, de modo que o jornal nem um único dia nos faltou!

 

Deixou mais tarde o cargo de editor, mas ficou sempre o mesmo indefectível amigo de António Custódio. Este, já em Terras de Santa Cruz teve, com profundo desgosto, notícia da morte prematura de quem tanto havia a esperar, pela sua inteligência, pelas suas excepcionais faculdades de trabalho; pelo seu dinamismo; pela sua perfeita visão das realidades da vida; pelo amor sem limites que dedicava à sua querida e muito ilustre família.

 

Pobre e saudoso Amarino! Com que gratas lembranças recordo os dias já bem distantes da nossa convivência, sempre amiga, nos vários sectores de trabalho em que o Destino, enigmático, generosamente nos colocava!...

 

Foste, eu ainda cá estou, amigo querido! Que Deus te tenha reservado o lugar de sossego, paz e amor, porque sempre pugnaste na terra, são os meus melhores e mais sinceros votos.

 

Tinha, cada um dos nomes colocados à cabeça do jornal, se encarregado de organizar uma lista de possíveis assinantes a quem o mesmo seria enviado, e na quarta-feira essas listas somadas já ultrapassavam a casa dos 600. Como a edição do primeiro número, segundo as ordens transmitidas para Leiria, era exactamente de 600 exemplares, logo no segundo número teve de ser aumentada para 800, que se estenderia mais tarde para mil, com que terminou.

Sede da primeira Redacção da segunda série do jornal O Riomaiorense, Rua D. Afonso Henriques no. 32-34, Rio Maior. © Nuno Rocha, 2018. Arquivo O Riomaiorense.

Figura 7 - Sede da primeira Redacção da segunda série do jornal O Riomaiorense, Rua D. Afonso Henriques no. 32-34, Rio Maior. © Nuno Rocha, 2018. Arquivo O Riomaiorense.

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