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(Arquivo) Como nasceu a 2.a Série de O Riomaiorense (2)

Por António Custódio dos Santos

In O Riomaiorense (3.a Série) no. 266, de 1 de Agosto de 1963

 

 

 

 

António Custódio, que tinha pelo seu homónimo a estima e consideração que ele merecia por ser portador de um espírito assaz brilhante e porque dele havia recebido sempre as provas mais exuberantes de uma sólida e leal amizade, estendeu-lhe carinhosamente a mão, dizendo de sorriso nos lábios: você venceu. Parabéns. Todos concordamos que a nossa grande obra seja mesmo impressa em Leiria. E voltando-se para os companheiros: Agora vamos escolher o título. Se deve ser semanal, quinzenal ou mensal e o dia certo da publicação. Quanto ao título, proponho que em homenagem à terra amada em que vivemos, se denomine Riomaiorense. Todos aprovaram com uma salva de palmas. Precisamos procurar o incansável Manoel José Ferreira para lhe dar parte da nossa intenção, pois tendo sido ele o fundador de um jornal com este mesmo título, embora suspenso há muito tempo, entendo que nos merece esta prova de consideração.

 

De tão honrosa missão quero ter o prazer de me desincumbir, propondo para me acompanhar o nosso prezado Francisco Santos, como digno colega que é no magistério do velho e honrado professor.

 

Outra unânime e entusiástica salva de palmas aprovou esta proposta. Quanto a ser semanal, quinzenal ou mensal, não houve, sequer, discussão. Optou-se que seria semanal, escolhendo-se a quinta-feira para dia da publicação. Com a palavra ainda António Custódio acentuou: Agora vamos à distribuição dos cargos e permitam que seja eu a indicar as funções de cada um. Para director, Sousa Varela. (Este saudosíssimo cidadão, um carácter no mais elevado grau, uma figura no género dos nobres portugueses de antanho, um moderno João das Regras, sem a menor sombra de exagero, não no cabedal científico evidentemente, mas na cultura sistemática, como o impoluto Chaceler-Mor de D. João 1.°, de tudo quanto fosse belo, puro, generoso e altruísta) ia a procurar erimir-se, quando António Custódio, cortando-lhe rápido a frase, sentenciou:

 

Meu querido compadre, (Varela havia sido padrinho no Registo Civil, da primeira filha de António Custódio, nascida meses antes do advento da República e à qual foi dada o nome de Aurora da Liberdade), aqui ninguém recusa postos. Todos concordámos com a publicação do jornal, e portanto, cada um ocupa, sem discussão, o lugar que as circunstâncias lhe indicam. Percebendo que ninguém apresentava objecções, continuou: Redactor principal Francisco Santos. Secretário da Redacção Eugénio Casimiro, Editor Amarino Calisto. Administrador António Custódio. Todos, finalmente, aceitaram de bom grado os seus cargos, combinando-se que, sem mais dificuldade, o primeiro número saísse logo na vindoura quinta-feira, 4 de Abril. Francisco Santos pediu que cada um começasse a escrever logo o que pudesse e entregasse a ele ou a António Custódio, o que produzisse, para um ou outro se encarregar de remeter para a tipografia. Marcou-se ainda uma reunião para o domingo seguinte, 31 de Março, no gabinete do administrador do concelho, afim de cada um dar conta do que houvesse produzido bem como da demarche junto do professor Ferreira. Encerrou-se seguidamente esta reunião, original, realizada inesperadamente ao ar livre, e da qual, sem prévios entendimentos, ia surgir um hebdomadário, modesto mas viril e audaz, que alguns serviços poderia prestar no meio sacrossanto em que desenvolveria as suas actividades.

Antes, porém, de se separarem, todos mutuamente se abraçaram, lembrando os doze da Inglaterra que foram salvar a honra das damas inglesas... Ali, aquela pequena Ala dos Namorados, procuraria salvar a honra da adorada dama “Rio Maior” e tudo faria para o conseguir!

 

 

Em casa de Manoel José Ferreira

 

Conforme fora resolvido na reunião do Cabo do Lugar, António Custódio combinou com Francisco Santos a ida a casa do professor Ferreira no sábado, 30 de Março, pelas 16 horas, e a essa hora, precisamente, ambos se encontravam à porta do velho educador. Bateram, aparecendo à janela sua distinta Esposa, que reconhecendo as inesperadas visitas, veio ela própria abrir, pedindo, de sorriso evangélico nos lábios, que entrássemos e não fizéssemos a menor cerimónia. Mandou-nos sentar numa modesta salinha, mas esmeradamente limpa e arrumada, enquanto ela mesma se sentava também e dizia: os senhores, certamente vêm visitar o Ferreira, o que nos dá imenso prazer. Ele, porém, encontra-se acamado, com um violento ataque de gripe e apesar de se achar já bem melhor, o Augusto ainda o obriga a continuar no leito por mais alguns dias. (O Augusto era um ilustre filho, imensamente estimado por quantos o conheciam, pela sua extremada modéstia, aliada a uma viva inteligência e pela natural simpatia que em todos os actos dele irradiava). E com a gentileza e a dignidade de nobre dama que efectivamente era, continuou: Mas eu vou avisá-lo da presença dos senhores aqui, e estou certa que imediatamente os mandará entrar. Um momento por obséquio. Instantes depois, voltava, radiante, porque o marido se mostrava satisfeitíssimo com a nossa visita, e imediatamente se sentara na cama para melhor nos poder receber!

 

Quando entrámos no quarto do velho e honrado professor, sentimos que nos achávamos na frente de alguém que se tornara superior a todos nós, pela sua luta titânica pela vida; pelos sacrifícios sem par, que tivera de enfrentar e vencer; pelo estoicismo com que encarava todas as desditas; pela persistência, quasi doentia, com que recomeçava as batalhas, depois de sofrer os mais cruéis desenganos!...

 

Transposta a porta dos modestos aposentos depara-se-nos a sua simpática figura recostada no leito e de braços estendidos para nós reclama com visível euforia: Meus bons amigos. Que grato pazer me dá a vossa amável visita! E abraçando-nos carinhosamente: Queiram sentar-se.

Figura 4 - Professor Manoel José Ferreira. Retrato por Pastor. © Fernando Duarte, 1979.

Figura 5 - A casa onde residiu e faleceu o Professor Manoel José Ferreira, na Rua João de Deus, à direita na fotografia. © Nuno Rocha, 2000.

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